#PETRUS -CAPÍTULO 9

02/07/2018

Abri um sorriso e relaxei na cadeira. Fazia duas horas que eu estava ali e realmente, eu não queria ir embora. Passar algum tempo com a Ane me fez descobrir algumas coisas;
Primeiro: ela era reservada, muito reservada, mas com um pouco de conversa e atenção, ela se soltava e podia ser muito social. Ás vezes quando ela abria a boca era uma vaca comigo... mas no fim isso só me tirava umas boas gargalhadas. Segundo: ela amava sua família, mas odiava falar do passado antes da adoção. Ela só diz que não entende como um pai ou uma mãe pode doar seu filho. Nesse quesito, sou obrigado a entendê-la. Terceiro: ela era sonhadora. Falava de suas viagens com um brilho no olhar que eu seria incapaz de compreender. Falava de tudo com muita paixão, contava historias de países distantes e até me explicou algumas teorias loucas que ela aprendeu por aí, como os universos paralelos e também o retorno de saturno. Isso só provava o quanto ela era inteligente e o quanto eu tinha que aprender.
Quanto mais conversávamos, mais eu tentava evitar sorrir de orelha á orelha, mas a tarefa estava ficando impossível.
- Tem uma última batata no prato, Petrus. Seja rápido.
- Á vontade. Nunca comi tanta porcaria na minha vida. Não vou me surpreender se amanhã eu acordar flácido e pançudo.
-Você não conseguiria isso nem se tentasse, então relaxa. - ela pega a batata e joga na boca, lambendo os dedos com sal em seguida. Parecia um moleque, mas eu gostava disso.
Ela era tão natural. Ela estava na minha frente praticamente de pijama, com o cabelo preso em um rabo de cavalo. Nada de maquiagem, nada de brincos.
Só ela nela mesma.
Parei de beber meu chocolate quente e a olhei. Eu não conseguia parar de admirar tantas qualidades; na verdade eu nem sei por que eu estava ali mas eu queria tanto estar que só me pareceu certo. O som do meu celular me despertou dos meus pensamentos. No visor, Lívia chamando.
Droga, agora?
Lívia era uma cliente que eu normalmente via de final de semana. Era rica e compensava em carisma o que faltava em beleza. O marido viajava por semanas e quase não ligava para ela. Era tão simpática e meiga, sempre delicada com todas as coisas. Ás vezes, eu só ia na casa dela para conversar, massagear seus pés e ver ela preparar algo para eu comer. Ela gostava de cozinhar pra mim, contar sobre o dia dela e adorava quando eu a deitava em meu peito e fazia carinho em seu cabelo. Na verdade, posso até contar nos dedos às vezes que transamos. O problema dela era carência, o marido era um babaca ganancioso que só pensava em dinheiro e deixava a mulher incrível que ele tinha sempre em segundo plano. Eu tinha adquirido afeto por ela mas na boa, isso não era dia dela ligar...nem hora. Acho que fiquei muito tempo olhando pra tela dividido entre atender e desligar o celular, que Anelise me chamou.
- Petrus, não vai atender? - ela me olha sem entender.
- Ahnnn - parei mais um instante, mas resolvi terminar logo com aquilo.
- "Oi Liv" "Hmm, desculpe querida, mas hoje não posso."
Vejo Anelise sinalizando com as mãos para que eu vá.
-"De verdade meu anjo, mas estou com a noite comprometida. Não, não é outra cliente... estou na casa de uma amiga e não posso ir, só isso. Me liga amanhã e eu te encaixo, docinho. Tá bom, beijo...tchau"
-Docinho? - ela ergue uma sobrancelha e me olha com cara de desconfiada.
- Ela é carente, não torra. - volto a tomar meu chocolate.
- Realmente, não é só sexo não é Petrus? Você as trata de forma diferente. - ela sorri de canto de boca, e eu não consigo definir qual era o motivo.
- Não, não é. Apesar de eu ser pago para isso, eu gosto de tratá-las como elas merecem. Muita mulher por aí se sente feia ou desinteressante e eu gosto de mostrar que elas podem mais. O que me deixa mais triste é que a grande maioria são mulheres lindas e incríveis que se degradam por causa de maridos idiotas e namorados estúpidos e não saem dessas relações para não ficarem sozinhas.
- Faz sentido, eu sei como é ser sozinha - seu olhar se perde na caneca de chocolate e por um segundo meu instinto é cuidar dela, mostrar que uma mulher como ela não tem motivos para ser sozinha. O problema é que a única maneira que eu sei de mostrar isso para uma mulher é exatamente a maneira que não posso usar com ela. Não foi para isso que ela me contratou, então eu só pergunto:
- Você se sente sozinha, Ane?
Seus grandes olhos castanhos me olham profundamente e por um segundo eu sinto a muralha que ela colocou entre sua intimidade e eu desabar.
-Ás vezes. Mas não quero falar sobre isso. - Pronto. Muralha erguida novamente. - Porque você não foi?
Me perco pensando nela sozinha e me pergunto se ela se sente como eu.
Divago tão longe que ela me chama de volta para a realidade.
- Petrus? Você me ouviu?
- Desculpa Ane, o que você disse?
- Porque você não foi?
- Foi aonde?
- Tem conhaque nesse chocolate? Tô perguntando porque você não foi encontrar sua cliente.
- Porque eu queria ficar com você - quando vi, já era tarde demais. Nem sei porque isso escapou de mim assim. Tentei consertar. - Sabe, ficar aqui e te conhecer mais, por causa do nosso plano.
- Desculpe por esse incomodo - sua voz adquire um tom de descaso - Vou te pagar pelas horas que você perdeu comigo.
O que eu disse sobre ela ser uma vaca ás vezes?
Não se tratava de me pagar, nem de reembolsar nada. Eu só queria ficar ali.
Ser normal por um dia. Eu não precisava da merda do dinheiro dela. Eu só precisava me sentir um pouco assim. Me sentir eu ao menos uma vez na vida.
O problema? Até hoje, ela foi a única que me fez sentir assim.
-Não quero que você me pague. Quero que seu plano dê certo Ane, só isso.
Se ele der certo, aceito o meu pagamento. Senão, valeu a amizade.
- Você tá de brincadeira, não é?
- Não, não estou Ane.
- É seu trabalho Petrus! Não viaja... -ela bufa e se levanta, ofendida.
- Eu sei que é. Mas parece que quando é você que me oferece dinheiro pela minha companhia, eu me torno uma mercadoria. Eu sei que é isso que eu sou... mas não sei, não gosto quando isso vem de você. Eu te conheço há dois dias, mas sinto que também faz mal para você. Ter que pagar alguém para estar aqui. Então, que fique claro: não estou aqui pelo dinheiro tá? Estou aqui porque gosto de estar, porque sinto que podemos ser amigos. Agora senta essa bunda ai e vamos voltar do ponto onde paramos nossa conversa. A gente tem pouco tempo para se conhecer.

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