#PETRUS – CAPÍTULO 54
18/07/2018
Sinto todo o ar á minha volta sumir. Sinto minha cabeça rodar e o enjoo subir á garganta. Forço meu corpo a se manter em pé, mas sinto que posso não conseguir. Pisco repetidas vezes até ter certeza de que ele realmente está aqui.Por que ele está aqui?Olho em sua direção novamente e ele finalmente me vê. Seu sorriso sarcástico continua o mesmo. Ele sorri de canto, com aqueles intensos olhos claros, frios e maldosos. Ergue sua taça em minha direção, me saudando.Aquele era o sorriso da morte.Eu preciso sair daqui, mas não consigo me mover. O mal estar persistente se arrasta sob minha pele, mas eu ainda me sinto pregado ao chão.Isso era tão ridículo. Eu era um adulto, porra.Sinto meu braço sendo puxado e percebo Ane me arrastando em outra direção. Não penso em nada, apenas a sigo, ainda perdido. Como a simples presença dele me intimidava tanto? Eu ainda parecia uma criança assustada quando o via e isso me irritava demais.Um dia eu precisaria enfrentá-lo.Ane continua me puxando em direção á uma parte da casa onde eu nunca tinha ido. Passa por algumas portas, pelos banheiros sociais e continua seguindo. Abre um enorme salão e quando liga as luzes, vejo que é a biblioteca da casa.- Senta amor - ela me indica uma cadeira de couro. Me sinto pequeno vendo ela tentando me acalmar daquela forma, sendo que dias antes eu dizia a ela que havia superado tudo isso.Claramente, eu não superei totalmente.Meu coração está disparado e meus músculos contraídos, como se estivessem em modo de defesa. Meu instinto era ir embora, sumir, fugir, desaparecer da face da terra...mas pela primeira vez, eu não pensei em mim somente. Eu pensei nela também.Como ir sem ela? Eu deveria ficar pela Ane.Ela vai em direção á um aparador, onde há garrafas de bebidas e um filtro de água. Enche um copo de vidro e me entrega. Bebo sentindo a água deslizar pela minha garganta seca e agradeço por estar longe de todas aquelas pessoas, principalmente dele.- Como você se sente? - ela me pergunta, preocupada.- Péssimo - eu passo as duas mãos pelo cabelo - O que ele está fazendo aqui, Ane?Ela olha para os lados, tentando conter as lágrimas. Eu sei perfeitamente qual é o medo dela.- Eu não sei amor. - uma lágrima escorre por seu rosto - Eu não posso sequer vê-lo Petrus. Eu já o odeio tanto, que ver ele sequer perto de você me faz ter arrepios. - ela se agacha em minha frente, apoiando as mãos em meus joelhos - Será que ele contou algo á meu pai?- Não, com certeza não. Eles estavam conversando muito animados. - eu a levanto e a puxo para meu colo - E eu conheço o jogo dele Ane, é muito mais sórdido do que isso. Ele vai me torturar muito antes de contar qualquer coisa á alguém.- Eu não quero te ver sofrer por isso amor - ela me beija. - Não mais do que você já sofreu.- Mas você também não pode decepcionar seu pai, amor. Eu sei que seu medo é esse... Eu não vou deixar acontecer, te prometo. - o nó em minha garganta se fecha mais ainda.Só Deus sabia o que eu teria que fazer para evitar que isso acontecesse.[...]- Uma hora nós precisaremos voltar pra lá Petrus - Ane diz, ao me ver caminhar em frente á grande janela de vidro mais uma vez, indo e voltando como um animal enjaulado. - As pessoas já devem ter notado nossa falta.- Eu sinto que... - sufoco um xingamento e passo as mãos pelo rosto, tentando clarear a minha mente, tentando achar um jeito de explicar á ela como me sentia. - Já sentiu como se o mundo estivesse desmoronando na sua cabeça?Ela me olha, assentindo.Claro que ela sabia: ela havia sido tão rejeitada quanto eu, mas de formas e em épocas diferentes.Eu continuo - Eu fui machucado, chutado, trancado no escuro, ofendido. Eu vi ele bater na minha mãe diversas vezes, vi ele me odiar a cada segundo do dia, em todos os dias da minha vida. Eu fui maltratado, humilhado, espancado. Gritei tantas vezes e ninguém, ninguém nunca veio me salvar. Eu vi todas essas coisas e aguentei, mas agora esse maldito está na sua sala, na nossa festa de noivado, tomando whisky com seu pai. Eu não posso vê-lo entrar na vida de vocês Ane, por que eu sei o que isso significa... Ele significa destruição, em todos os sentidos. Mas eu não vou deixar, tá ouvindo? Ele nunca vai te fazer mal meu amor, nunca.- Eu sei que não - ela força um sorriso, e eu sei que apesar da força que ela está fazendo para parecer calma, ela está com tanto medo quanto eu.- Quando eu vou acordar e ver que minha vida é um sonho ruim? Meu Deus, quando eu vou ter paz nessa merda de vida?!Consigo ver apenas uma lágrima rolando por seu rosto delicado. Eu sei que ela estava sofrendo, mas eu estava fora de mim. E se eu não colocasse tudo para fora agora, com certeza colocaria lá, na festa, estourando a cara dele na frente de todos os convidados.Suspiro e me dou o direito de respirar por alguns minutos, tentando clarear meu pensamento e me preparar para o que viria.- Vamos lá. Está na hora de encarar isso - passo por ela, tocando seu braço e a trazendo comigo.- Você acha que consegue amor?- O que? Fingir que ele é meu pai querido e que tudo bem ele estar em nossa festa?- É - ela me olha assustada, com seus grandes olhos escrutinadores.- Claro. Foi a única coisa que eu fiz até hoje na vida: fingir. Eu sempre fui uma mentira.Bem vinda á minha vida.
