#PETRUS – CAPÍTULO 18

04/07/2018

Depois que tive certeza que ela tinha dormido, redisquei o número que havia me ligado há pouco. A última coisa que eu precisava nesse mundo era que ela me ouvisse falando com ele.
Dois toques depois, e finalmente ouço sua voz do outro lado da linha.
- Estava com cliente, maninho? - ele pergunta no mesmo tom sarcástico de sempre e minha vontade também é a mesma de sempre: esmurrar sua cara até quebrar minha mão.
- Não que realmente seja de sua conta, mas não, não estava com uma cliente - suspiro tentando retomar minha paciência há pouco perdida.
- Fala logo o que você quer.
-Precisamos nos ver.
-Impossível - eu retruco. Esse cara não ia estragar um dos poucos momentos em que eu senti felicidade em toda a minha vida.
-Como impossível, Petrus? Que eu saiba, infelizmente diga-se de passagem, ainda temos negócios á tratar. Se você não quer mais me ver, me venda logo sua parte e te garanto que eu mesmo farei questão de nunca mais colocar meus olhos em você, seu cafetão estúpido.
Eu rio por dentro. Quando ele ia aprender a diferença entre cafetão e o que eu realmente era?
- Você precisa de novos nomes para me xingar, tá ficando meio ridículo, de verdade. E não, eu não vou vender minha parte para você, esquece. Só que agora não podemos nos ver, talvez no final de semana que vem eu consiga
um horário para nos encontrarmos.
Ele e aquele monstro maldito nunca vão colocar a mão no que era da minha mãe. Nunca.
- Que seja Petrus. Eu também não faço muita questão de te ver, de verdade.
Te ligo na próxima semana para resolvermos isso então.
-Ótimo - eu suspiro aliviado por poder enfim desligar o telefone.
-Petrus? Uma última coisa.
Suspiro porque sei que lá vem bomba.
-Fala logo.
-Agradeço todos os dias por minha mãe não estar mais aqui para ver isso.
Você seria uma decepção sem tamanho para ela.
Babaca. Como ele pode mencionar minha mãe assim? Enorme sorte a dele eu não estar perto o suficiente.
-Eu te garanto que eu daria mais orgulho á ela do que você. Algumas coisas se limpam com água e sabão, irmão. Pena para você que caráter não seja uma delas. Agora tchau, vai encher o saco de outro, cacete.
Desligo o celular e o jogo em direção ao sofá. Ele tinha o dom de me deixar com ódio de tudo, inclusive de mim. Sentei no sofá enquanto sentia as lágrimas quentes e silenciosas rolarem por meu rosto, e pedi em oração perdão á minha mãe mais uma vez.
[...]
Entrei no quarto e ela estava esparramada na cama, com o pijama de ursinhos. O cabelo estava bagunçado sobre o rosto e a coberta enrolada entre as pernas. Agradeço pela visão e sorrio. Já vi tantas mulheres dormindo, mas até nisso ela era diferente. Parecia tão pacifica em seu sono que sinto inveja da tranqüilidade de sua vida. Gostaria de um dia ter um sono assim também.
Gostaria de um dia não ter tanta coisa ruim para recordar. Me deito bem devagar ao seu lado, sem nenhum movimento brusco. Tudo o que eu menos quero é que ela acorde e faça um enorme discurso do porque a cama era só sua. Amanhã eu acordo mais cedo e saio de fininho e ela nem vai perceber.
Sem problemas. Puxo a coberta para cima e me enfio debaixo dela, tomando cuidado para não encostar em Ane. Seu cheiro de pêssego já está em tudo e é sentindo ele que eu rapidamente adormeço.
[...]
"Nunca mais, está me ouvindo? Nunca mais você vai me desrespeitar na sua vida, moleque!"
"Não, por favor... Não!.. eu juro que não tive a intenção...não foi eu, foi ela !"
Outro tapa na boca.
"Isso é para você me respeitar... e respeitar ela também. Você ainda nem é homem o suficiente..."
Mais um, dessa vez no estomago. Me sinto afundar na coluna de mármore de novo.
Eu sei que é mais um sonho, mas como sempre não consigo acordar.
Vejo ele se aproximando do interruptor e depois batendo a porta, me deixando lá sozinho de novo. Mais uma vez. Mais um dia. Eu não ligo mais para a fome, eu nem penso mais no frio. Eu só não suporto o escuro.
"Por favor..." eu suplico. A falta de ar aumenta por conta do ultimo golpe.
"Me tira daqui. Eu faço o que você quiser..."
Mas ele não estava mais lá. Eu estava sozinho mais uma vez.
[...]
Graças a Deus, eu acordo. Era sempre tão real...eu conseguia sentir sua mão em meu pescoço me sufocando, sua raiva crescente, seus olhos cheios de ódio. Eu conseguiria reviver cada dia de tortura. Eu lembro de tudo de uma forma tão doentia, repetindo para mim mesmo que o que não me matou, me fez mais forte. Era dali que eu tirava minha força, afinal: da minha própria dor. Nem que eu viva cem anos, essas cenas sempre irão se repetir na minha mente.
Eu só preciso acordar, a única coisa que eu preciso fazer é acordar.
ANELISE -

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