#Capítulo 5 - Adônis
06/04/2018
Dimitri estava no sofá com seu Ipad quando percebeu minha presença e não escondeu a decepção em me ver.- Como entrou aqui? - Olho ao redor procurando por Sara, mas não a vejo.- Ainda não encontrei um obstáculo que pudesse me deter. -Ironizo e me atiro no sofá branco, colocando os tênis sobre as pequenasalmofadas de cetim. Ele me encara com certo mal humor ainda esperandoque eu responda. - Ok, você me pegou. A recepcionista me deixou subir,claro, só depois que eu prometi dar algumas aulas particulares para ela nofinal de semana. Você sabe de que tipo de aula eu estou falando, né?Daquelas que a gente sua sem sair da cama, e geme sem sentir dor... -Mexo na regata como se estivesse sentindo calor e dou uma risada alta.Dimitri volta a olhar para a tela do Ipad e decide ignorar minha presença.-Você não se importa, não é?- Com o quê? - Dimitri pergunta sem fazer contato visual.- Que eu dê uns pegas na loira da recepção. Cara, não sei comovocê resiste àqueles peitões, parece que eles vão saltar para fora. -Gesticulo com as mãos na altura do tórax, imitando o tamanho dos seios dagarota.-Não me importo com quem você passa suas noites, e também,agradeço se me poupar dos detalhes. - Meu irmão suspira, levementeirritado, e me repreende, encarando. - Só quero que pense muito bem antesde desrespeitar a minha nova secretária.- Hum... secretária nova, é? Ela é gostosa? Descreva as três palavras principais: peito, bunda e boca. - Sento no sofá e me inclino emsua direção.- Janaína Mendes. - Ele fala, largando o tablete sobre a mesa decentro que está entre nós.- O quê? - Exclamo, passando a mão na barba cerrada. - Por essa eu não esperava!- Estou falando sério, Adônis. Não quero ter que ficar trocando de secretária o tempo inteiro por sua causa.- Calma mano, gordinhas problemáticas não fazem parte do meucardápio. Você já deveria me conhecer né, afinal, são trinta e seis anos deconvivência. - Zombo, e entrelaço os dedos das mãos, colocando os braçosatrás da cabeça, relaxando no sofá mais uma vez. - Talvez, depois que eucolocar aquele corpo nos eixos, eu queira testar o produto e dê um "pega",ou dois nela.-Apesar de todos esses anos, não consigo me acostumar com a suaarrogância! - Ele retruca com certo ar de superioridade.- Em outras palavras, eu também te amo cara. - Ironizo.- Desembucha de uma vez, o que você veio fazer aqui? Daqui a pouco a Anastácia chega com a Sara, e você sabe bem que não é uma situação, digamos, agradável para você. - Dimitri revira os olhos e sei que ele está perdendo a paciência.Ouvir o nome "Anastácia" causa um arrepio desagradável que sobepela minha espinha. Depois que a esposa de meu irmão, Paola, morreu aodar à luz a Sara, ele contratou uma governanta para cuidar de tudo,enquanto ele se fechava para o trabalho. A ruiva passou no meu "teste dequalidade" e, após algumas insistidas, ela gemeu alto gritando meu nome.Quando não retornei suas ligações e deixei claro que tudo não passara deum caso de uma noite só, ela ficou furiosa e ameaçou pedir demissão. Comoa pequena Sara era muito dependente, e Anastácia era sua única referênciade figura materna, Dimitri batalhou para contornar a situação e acaboutriplicando o salário da garota. Mesmo assim, ela aceitou ficar sob acondição de que nunca mais tivesse que me encontrar.- Cara, porque você ainda não demitiu essa mulher? Sara nãoprecisa mais de uma babá!- Mas ela gosta muito de Anastácia. - Ele rosna, tirando o celulardo bolso. - E você não tem nada a ver com isso, então pare de dar palpitessobre quem eu contrato ou deixo de demitir!- Ok, "brother", não me intrometo na sua vida, nunca mais! -Uma ideia me passa pela cabeça, e não consigo evitar. - Preciso apenas demais um favorzinho seu, e juro que nunca mais me meto (literalmentefalando) na sua folha de pagamento. Você poderia me passar o endereço daJanaína?- Para quê? Você não tem essas informações na academia? - Ele me olha desconfiado.- É, era para ter, mas ela saiu sem terminar o cadastro. Aquela mulher é muito louca! Você tinha que ver. No momento em que ela me viu,parecia que ela queria me devorar com os olhos! - Ri alto, lembrando dacena. - Fazer o quê? Tem como resistir a isso? - Aponto para nós dois,afinal, somos a cópia um do outro, pelo menos, fisicamente.- Você é um babaca sabia? - Ele parece desconfortável com aconversa e tenta me ofender para encerrar o assunto.- Eu sei, mas o problema é que eu sou um babaca muito gostoso!- Ele arremessa uma das almofadas em minha direção e eu desvio rápido.- Cara, você é um chato, sabia? Saia deste luto e vá viver um pouco! Pareceque você foi enterrado junto com a Paola.- Não mencione mais esse nome! - Sua expressão se fecha, e eleme devolve um olhar furioso quando sai do sofá e caminha até o bar nocanto da sala.Ui! Acho que cutuquei o leão com vara curta.- Ok cara, só me dá o número de telefone dela e o endereço. Euacho que ela não vai aparecer amanhã, me quebra esse galho e eu juro quesó volto aqui quando for convidado. - Dimitri não responde e serve umcopo de Whisky, olhando através da ampla janela de vidro que vai do chãoao teto, ocupando praticamente toda a parede, com vista para o jardim deinverno de Sara. - "Um elefante incomoda muita gente, dois elefantesincomodam muito mais. Três elefantes incomodam muita gente, quatroelefantes incomodam, incomodam, incomodam, incomodam muito mais. "- Canto para irritá-lo.- Que inferno! - Ele bebe tudo de uma vez e se dá por vencido.Pego o pequeno papel em que ele anota a informação que preciso esaio cantarolando... "Cinco elefantes incomodam muita gente, seis elefantesincomodam, incomodam, incomodam, incomodam..." As portas do elevadorque dão acesso a cobertura se abrem e então sigo meu caminho triunfante.******Dimitri- Pai! Você está roncando! - Ouço a voz de Sara e sinto que sou atingido por algo. Quando consigo abrir os olhos, ela está arremessando pipocas em minha direção.- Não! Não estou roncando, não! Deve ser imaginação sua. - Brinco, catando uma pipoca caída sobre meu peito e jogando-a em minhaboca.- Então, parece que estamos tendo um delírio coletivo, pois eu estou ouvindo a mesma coisa. - Anastácia sorri, e dá uma mordida em uma pequena barra de cereal. Ela veste um vestido vermelho, um tom um pouco mais escuro que seus cabelos, uma sapatilha clara e quase nada de maquiagem.- Acho que, agora que você acordou, já pode surtar com meuprimeiro piercing. - Sara anuncia sem rodeios, erguendo a blusa rosadeixando a barriga à mostra e um pequeno ponto brilhante balançou quandoela se mexeu.- Essa foi boa! Nessa eu não caio, não! Ainda lembro da vez quevocê fingiu que tinha feito uma tatuagem. - Fiquei em silêncio por algunssegundos, esperando que ela falasse que era um piercing falso ou umapiadinha, como muitas que ela adorava fazer apenas para me ver perder apaciência.- É sério, pai. Fiz hoje à tarde. O tio Adônis me ajudou a escolher o modelo. Ele disse que todas as garotas da academia estão usando. - Disse eufórica. - Ficou muito maneiro, né?Olho incrédulo para Anastácia, mas pela expressão atônita em seu rosto, percebo que isso é novidade inclusive para ela.-Para o seu quarto! Agora! - Berro, sentindo o sangue ferver em minhas veias. Claro que aquilo tinha o dedo de Adônis.- Mas, pai... - Sara protesta, chorosa.-Dimitri, acho que... - Anastácia fala, tentando contornar a situação.- Você não acha nada! Você não é paga para "achar", Anastácia!Você só tem duas funções: cuidar de Sara e manter este apartamentoorganizado. Será que a minha assistente pessoal precisa de outra assistentetambém? - Rosno, furioso e ouço uma porta bater com força. Volto aencarar Anastácia, sua pele, antes alva, agora está vermelha como um tomate.- Vou ter uma conversa com essa menina. - Digo baixinho, e vou atrás dela.- Sara, abra a porta. - Digo em tom conciliador, e segundos depois ela a destranca. Os cabelos castanhos, em um tom pouco mais escuros que os meus, agora estão despenteados. Ela me fita com os olhos lacrimejantes, prestes a desabar.E então, não há mais a garota rebelde de quinze anos de idade. Há apenas a minha menininha. Ela me desarma com seu olhar, seu lábio inferiortreme um pouquinho antes do choro, como fazia quando tinha apenas doisanos. Não, eu não estava diante da adolescente com um piercing, ela era umpequeno anjo, com seus cabelos lisos e curtos, com os olhos brilhando pelaslágrimas que ainda não haviam caído, as bochechinhas vermelhas com medoda repreensão pela arte feita. Não consegui falar mais nada, porque meu coração ficou apertado demais. Então, a envolvi em um abraço apertado edeixei que ela chorasse em meu peito. Ainda abraçados, caminhamos até acama, ela se sentou na beirada e eu me ajoelhei à sua frente, segurando suasmãos nas minhas.- Eu não quero mais falar sobre esse assunto. - Digo, apontandopara o piercing. - Só quero que você me prometa uma coisa: não me exclua.Quero fazer parte de sua vida. Eu só tenho você nesse mundo. Eu quero ser o cara que vai segurar a sua mão quando fizer uma tatuagem ou sei lá, pular de paraquedas. Não que você precise fazer algo do tipo, mas, por favor, medeixe fazer parte.- Me desculpa, pai. - Sara suplicou com a voz trêmula. E eu beijeisuas mãos. Fiquei de pé, peguei uma escova sobre a penteadeira e comecei apentear seus cabelos. Ela sorriu ao ver nosso reflexo no espelho.- Eu sei que você vai namorar, vai ir às festas, vai beber, vaiaprontar e vai aprontar mais um pouco. Você está chegando na terrível faseentre a adolescência e a vida adulta. Eu sei também que, uma hora ou outra,algum garoto vai conseguir desviar de todos os meus tiros e armadilhas e vairoubar esse seu coraçãozinho.- Pai! - Ela ri. - Não sei se é uma boa hora para contar, mas temum menino lá na escola... a gente está "ficando"... e eu queria...- "Ficando"? - Repito, tentando controlar o nervosismo.-É pai, sabe como é né? "Ficar". Não se faça de desentendido. Ou na sua época você não "ficava"?-Na minha época? Eu não sou tão velho assim, não! - Respondobrincando, como se tivesse sido ofendido. - Bem, esse é o preço que se pagapor pedir para participar da vida da minha filha adolescente, não é? Então, sevocê quiser, pode trazer esse tal garoto no fim de semana, para que eu possaconhecê-lo.- Valeu pai. - Ela enxuga o rosto na barra da blusa cor de rosa e sorri.******JanaínaSaltei da cama com o coração aos pulos quando o despertador soouàs cinco da manhã. Malhar, à essa hora? Como eu vou ter disposição paratrabalhar à tarde? Meu pai do céu! E se alguém da vizinhança me vir saindode casa com Adônis? A fofoca iria se espalhar e acabaria caindo nos ouvidosde Nando!- O que é? - Atendo o telefone que vibrava debaixo das cobertas enquanto eu visto a calça de ginástica apertada.- Só queria ter certeza de que você não iria esquecer do nosso horário, de novo. - Adônis zomba de mim e, mesmo sem vê-lo, sei que eleestá rindo.Ditador idiota! Narcisista! Gostoso! Babaca! Mandão! Eu o amaldiçoo em pensamento quando ele desliga o telefone na minha cara.Calço os tênis e coloco um dos tops que havia comprado/ganhado com umaregata. A casa está silenciosa, há apenas um murmúrio baixo que vem dasala. Caminho na ponta dos pés, para não fazer nenhum barulho e encontroFernando dormindo no sofá, com a televisão ligada.- Janaína! - Adônis grita da calçada. Filho da mãe! Parece até que quer ver o circo pegar fogo! Olho para onde Nando dorme, ele se mexe mudando a posição. Prendo a respiração, temendo que ele acorde e me pegue no flagra.Quando consigo sair sem que o babaca do meu marido desperte, vejoAdônis escorado em meu portão, usando uma calça escura, tênis que, assimcomo os meus, são próprios para corrida e uma camiseta preta que estápraticamente colada ao seu corpo. Posso ver o desenho de seus músculosmesmo à distância. Oh, homem gostoso da peste! Meu pai, me afaste dessatentação!-Shhh! - Sinalizo com o dedo para que pare de fazer barulho. - Quieto! Você quer acordar todo mundo? - Repreendo, enquanto termino defechar o portão, mas minha chave emperra na fechadura. - Droga!- Calma! Para quê esse mau humor à essa hora da manhã? - Adônis segue mantendo seu tom de voz um pouco mais alto, só para meprovocar. - Bom dia! - Ele sorri e me cumprimenta em voz alta.- Bom dia? Eu ainda não comi, estou morta de sono e você estátorrando o pouco de paciência que eu ainda tenho no corpo! - Balanço achave, tentando girá-la de um lado para o outro. Ouço os latidos de Thorvindos de dentro da casa. Porcaria de fechadura, isso lá é hora de emperrar?- Hum, parece que alguém acordou. - Adônis sussurra em meuouvido, e sinto o ar quente de sua respiração mover meus cabelos.
