#Capítulo 3 - Janaína
04/04/2018
-
Como assim? Vou ter que ficar pelada? - Minhas mãos foram de encontro aos
primeiros botões de minha camisa e meus dedos tatearam, certificando-se que
estavam fechados. Ai, meu pai do céu! Ele deu um sorriso torto e desconfio que
até se divertiu com minha reação exagerada.
-
Não disse para ficar "pelada". - Adônis enfatizou a última
palavra
e pegou uma espécie de pinça gigante metálica ficando de pé. - Minhas palavras
foram, exatamente, "fique apenas de calcinha e sutiã". Não há motivos para ter
vergonha Janaína, esse é meu trabalho. Vejo dezenas de corpos diariamente. Uns
maiores, outros menores, mas todos buscando a mesma coisa.
-
O que? - Pergunto, ainda agarrada ao botão da blusa, como se o gostoso à minha
frente fosse arrancá-la de mim a qualquer momento.
-
A perfeição. - Ele sorri ao responder, e meu corpo se aquece com sua
proximidade. Percebo que minhas mãos estão tremendo quando ele pergunta.
-
Há quanto tempo você é casada? - Lembrar-me de Nando foi um banho de água fria.
Eu havia esquecido da aliança, na verdade, nunca havia cogitado em tirá-la, a não
ser na noite anterior quando percebi que nosso casamento havia escorrido pelo
ralo.
-
Dezoito anos. - Respondo olhando para a ponta dos meus sapatos,
que contrastam com os tênis que ele usa.
-
Quantas vezes vocês transam por semana?
-
Hã? - Ergo a cabeça e o encaro incrédula. Sinto o calor subir pelas minhas
bochechas.
-Sexo,
Janaína. Quantas vezes por semana?
Dou
uma tossida e coço a cabeça logo acima da nuca, agitando os cachos
nervosamente. O que isso tem a ver com eu entrar em forma? Eu já estava
arrependida até o último fio de cabelo de ter entrado na maldita academia Body
Perfect, e precisava ser rápida o suficiente para sumir dali.
A
verdade é que eu nem me lembrava da última vez que eu e o Nando
havíamos partido para os finalmentes, afinal de contas, ele estava sempre
cansado ou ocupado, e eu achei que era apenas uma fase. O meu estresse e
correria com a casa e os filhos, ele a responsabilidade das contas, trabalho e,
também, nossos filhos. Me espantei ao perceber que eu não estava apenas chocada
com a pergunta, mas porque, na verdade, eu não sabia a resposta para ela.
Fechei
meus olhos e desabotoei minha camisa, os dedos ainda tremiam,
mas eu prendi a respiração e me despi da primeira peça, deixando-a pendurada
sobre o encosto da poltrona.
-
A calça e sapatos. - Ele pediu pacientemente, me fitando com seus belos olhos.
Bufei
contrariada mas fiz o que ele pediu. A vergonha pela exposição
estava me consumindo, mesmo morando no Rio de Janeiro eu não frequentava a
praia há tempos e, quando ia, estava enrolada em panos que cobriam boa parte do
maiô. O único homem que me viu nua em todos esses anos era Nando - se bem que
ele nem fazia mais questão - e agora, Adônis, esse
verdadeiro Deus grego me observava enquanto eu me livrava da calça preta e
sapatos.
Ele
acenou a cabeça, com uma expressão inescrutável em seu rosto.
No
que ele estaria pensando?
-
Por favor, não ria. - Supliquei, colocando as mãos na frente da calcinha,
tentando cobrir a minha intimidade.
-
Não seja boba. - Ele me repreendeu, e me guiou até uma balança
que tinha uma espécie de régua embutida, erguendo-a e apoiando uma comprida
madeirinha sobre o topo de minha cabeça. - Um metro e cinquenta e nove centímetros
de altura e setenta e oito quilos. - Fala em voz baixa, memorizando os números.
-
Não sou muito exigente, se eu conseguir ficar com o corpo da Beyoncé já estarei
satisfeita. - Brinco forçando um sorriso, mas sentindo minhas pernas tremerem
como gelatina.
-
Gosto do seu senso de humor, espero que o mantenha quando começar a dieta. -
Ele posiciona meus braços para que fiquem bem esticados e afasta minhas pernas
uma da outra. - Fique parada, vou medir a quantidade de gordura localizada nas
diferentes partes de seu corpo, se eu estiver te machucando é só falar, ok?
Engoli
em seco e concordei, sem dizer nada. Então, finalmente, descobri
para que servia a pinça gigante. Adônis puxou minhas gordurinhas com uma mão, e
mediu usando as garras metálicas que me causaram arrepios, e repetiu o processo
no meu corpo inteiro. Se afastou e anotou as medidas em uma folha sobre a mesa.
-
Você já pode se vestir. - Ele anunciou sem olhar para mim, concentrado
em alguns cálculos que fazia no seu laptop.
Quando
terminei de colocar minhas roupas, voltei para meu lugar e senti o celular
vibrando dentro da bolsa. Deve ser o Nando, não vou atender, deixa ele se roer
pensando onde fui.
-
E então? - Minha voz sai nervosa. - Acha que eu vou conseguir?
Adônis
levanta a cabeça e me fita com um meio sorriso no rosto.
-
É um desafio, mas você sabe o que dizem por aí: quanto mais difícil
melhor.
Senti
um calor diferente irradiar pelo meu corpo. Ah, esse homem vai me levar à
loucura! É impressão minha, ou isso também tinha um significado oculto?
-
E, quando começamos? - Disse, sentindo uma estranha sensação de euforia
irradiar por algumas partes de meu corpo adormecidas por tempo demais.
-Você
vai precisar de roupas apropriadas para malhar. No segundo piso temos uma loja
com artigos esportivos. - Ele mexe em algumas folhas sobre a mesa de vidro e
separa uma espécie da lista. - Isso é uma lista com o que você precisa comer e
os horários, vou escrever a quantidade correta de cada
item.
Concordei
mais uma vez e espiei enquanto ele escrevia.
-
Só isso? - Protestei ao ver que no café da manhã havia o número
um ao lado da maçã. Ele franziu o cenho não gostando de minha reação.
-
Essa dieta é temporária e depois vou te encaminhar para a nutricionista
que temos aqui, para ela fazer mais alguns ajustes, mas por enquanto isso deve
servir. - Peguei o papel com minha nova dieta de fome e guardei-o na bolsa. -
Te espero amanhã as nove. Adônis se levantou e meus olhos me traíram mais uma
vez quando teimaram em espiar seu abdômen novamente. Saí de sua sala ainda com
as pernas amolecidas, guardando na memória os detalhes de seu corpo escultural.
Saí
do prédio, atravessei a rua e parei no Mc Donalds. "Quem é o diabo que tem a sádica
ideia de colocar um 'Mac' em frente à uma academia?
"
Disse para mim mesma. Essa seria a despedida, uma última refeição antes de
matar a Janaína obesa, sim, assassinar, porque com essa dieta eu morreria
de
fome e definharia aos poucos. Fiz meu pedido no balcão e sentei em uma mesa no
canto. A primeira mordida no hambúrguer foi o suficiente para que o molho
escorresse e caísse direto na blusa.
-
Hum... - Gemi baixinho, me deliciando com o bacon crocante.
-
Está gostoso, Janaína? - A voz de Adônis soa dura e autoritária, me sinto como
uma criança sendo pega no momento exato da arte. Olho para o lado e me deparo
com meu novo personal trainer e, pela pressão com que
aperta
seu maxilar, ele parece bravo. Sexy e furioso. Ele veste uma regata cavada
branca que se agarra perfeitamente em seu corpo musculoso e um jeans azul
escuro. - Você vai ser uma garota má, Janaína? - Questiona estalando os dedos.
Eu
me engasgo com pedaço do hambúrguer e começo a tossir, batendo
no peito para desengasgar.
-
Você está me seguindo? - Disfarço e forço um olhar estreitando os olhos, como
se estivesse desconfiada, enquanto Adônis tira a bandeja de minha frente e
despeja meu lanche todo dentro da lixeira. - Eu ainda não tinha terminado! -
Protesto, ficando de pé. - Era minha última refeição!
Percebo
a cena que estamos dando quando as atendentes de trás do balcão param o que estão
fazendo e se inclinam para dar uma boa olhada no ditador à minha frente.
-
Quando eu te dei o direito de me seguir e se intrometer no que eu como? Pelo
que entendi os exercícios só começarão amanhã. - Gritei exaltada. - Vou
reclamar para o seu chefe, seu grosso!
Saí
pisando duro e atravessei sem olhar para os lados. Ouvi os carros buzinando atrás
de mim, mas antes que eu cruzasse as portas da academia senti Adônis me puxar
pelo braço.
-
Janaína! - Ele me vira, e o encaro furiosa.
-
Você acabou de me humilhar lá dentro! Quero ver você manter essa sua pose de
gostosão quando eu contar ao dono dessa academia a vergonha que me fez passar.
-
Ah com certeza ele já sabe. - Fiquei em silêncio, fuzilando-o com o olhar. -
Prazer, Adônis Borges Assunção, o dono.
Reviro
os olhos, sentindo um misto de raiva e algo mais. Ele solta meu braço e me
entrega a bolsa.
-
Eu não estava te perseguindo. Você deixou seu documento na recepção e, não
precisei pensar muito, eu sabia que você não devia estar longe. Se você
soubesse quantas pessoas tem esta mesma ideia de se despedir lambuzando-se em
batatas fritas e refrigerante, acredite: você não é a primeira. - Soltei o ar
dos pulmões em um suspiro. - Você saiu tão possessa de lá que deixou até a
bolsa.
Um
riso escapou de meus lábios e, de repente, a raiva já não era mais tão intensa,
ou melhor ... ela nem estava mais ali.
-
Acho que eu mereço um pedido de desculpas. - Digo, cruzando os braços na frente
do corpo.
-
Venha comigo. - Ele pousou a mão em minhas costas me guiando
para o interior da academia.
Senti
mais uma vez um calor estranho e libidinoso crescer em meu baixo ventre, e a
diabinha dentro de mim vibrou com aquele toque. O elevador chegou ao segundo
andar e fomos recebidos por uma Barbie humana com roupas esportivas.
-
Raíssa, ajude Janaína com tudo o que for necessário. - Ele se afastou de mim e
cochichou algo no ouvido da jovem loira siliconada.
-
Pode deixar, chefe. - Ela balançou a cabeça e sorriu.
Um
telefone começou a vibrar, mas desta vez não vinha de dentro de minha bolsa.
-
Está em boas mãos Janaína, preciso atender esta ligação. Te vejo amanhã.
Eu
e a "Barbie esportista" ficamos admirando-o enquanto ele se afastava com passos
rápidos e sumia dentro do elevador. A atendente me tratou divinamente e fez
questão de não comentar sobre minha roupa suja de comida. Ela colocou calças
leggings coloridas, tops e belas regatas e, cada vez que se afastava para
trazer mais um item fitness, eu espiava as etiquetas e pensava em como iria
pagar aquilo tudo porque, pelas minhas, contas já deveria ter uns três mil
reais em roupas.
-
Qual o número que você calça? - Ela perguntou com um simpático
sorriso estampado no rosto.
-
Trinta e cinco.
A
jovem retornou alguns minutos depois com dois pares de tênis, um rosa neon e
outro preto.
-
Quatrocentos e noventa e nove reais? - Exclamei ao ver o preço no adesivo da
caixa.
Raíssa
riu como se eu estivesse fazendo alguma piada. Como é que o Nando reagiria ao
ver os gastos astronômicos no cartão de crédito? Ah, com certeza ele vai
surtar. Então, ele vai sofrer no bolso também, ótimo! Decidi que eu merecia
cada uma daquelas peças.
-
Acho que é isso. Tenho tudo que preciso.
A
jovem se encaminhou para o balcão, retirou os alarmes e dobrou as roupas,
colocando tudo em sacolas com o logo da academia. Pus o cartão
em
cima do vidro e olhei em direção ao elevador, pensando onde Adônis teria ido
com tanta pressa?
-
Não é necessário, Janaína, ordens do chefe.
Arqueei
a sobrancelha em surpresa. Aquele era um jeito meio estranho
de pedir desculpas pelo fiasco no Mc Donalds, mas já era alguma coisa. Pego as
sacolas, agradeço à Raíssa e recolho o cartão atirando-o dentro da bolsa.
******
Saí
do prédio e dei mais uma olhada para a luxuosa academia antes de seguir meu
caminho.
Parei
para atender o celular que vibrava na bolsa. Na tela piscava o alerta de quinze
chamadas não atendidas de Nando, e uma chamada de um número desconhecido
piscando. Ué, quem será? Atendi desconfiada achando que era Fernando ligando do
celular de algum colega da firma.
-
Alô.
-
Bom dia, falo com Janaína Mendes? - Pergunta uma voz feminina
em um tom formal.
-
Sim, ela mesma.
-
Aqui é secretária pessoal do Doutor Dimitri, você enviou eu currículo para
nossa vaga de atendente. Podemos marcar uma entrevista, para hoje, às quatorze
horas?
-
Claro, qual o endereço? - Pergunto eufórica, exibindo um largo sorriso no
rosto.
******
Na
cara e na coragem eu entro no consultório no horário marcado, mas não vejo
outras candidatas. Hum, será que pagam mal? Meu estômago ronca me lembrando que
não como desde o meio da manhã. Tento me distrair folheando uma revista
enquanto aguardo, mas o nervosismo começa a se
acumular
e, quando dou por mim, já estou organizando os brinquedos da sala de espera do
consultório.
-
Janaína?
Fico
de pé e me viro para encontrar meu provável futuro novo chefe.
O
sorriso some de meu rosto ao perceber quem me aguarda.
-
Puta que pariu! - Xingo baixinho, mas acho que ele percebe, já que minha decepção
é gritante. - Você é um idiota sabia? Agora vai me dizer que além de personal
trainer você também é médico?-
Não sei o que o Adônis aprontou com você. Deixe que eu peça desculpas
antecipadamente pelo meu irmão. Prazer sou Dimitri Borges Assunção. - Ele
disse, estendendo a mão com um sorriso que fez meu corpo entrar em chamas. Dois
deles? Jesus me abana!

