#CAPÍTULO 27
21/06/2018
Caminho para dentro da sala do meu pai sem ser anunciado. A cara de espanto dele ao me ver, junto com a minha mãe, é impagável.- Ora, ora, a que devo ilustre visita? - Meu pai fala olhando fixamente para a minha mãe.- Nos poupe de suas ironias, Júlio. Estou aqui para conversar de negócios com você e espero que você seja profissional e maduro o suficiente para conversar civilizadamente - Minha mãe diz após respirar fundo.- O que aconteceu? O bebê foi correndo contar tudo para a super mãe dele? - Cospe as palavras com fúria. - Já chorou as suas mentiras e calúnias para sua mamãezinha, Bernardo?- Cale a boca, seu imbecil - grito. - Juro que vim o caminho todo me preparando para ter calma com você e não perder a paciência com as suas ironias, então, por favor, não me tente, já está sendo difícil o suficiente ter que olhar para essa sua cara.- Olha, agora ele até engrossou a voz. Só faltou sair debaixo da saia da mãe para se tornar um homem de verdade...- Já deu Júlio! - vocifera minha mãe. - Vamos acabar com essas trocas de ofensas. Eu quis resolver civilizadamente e nem me convidar para sentar você foi capaz, então vamos tratar de negócios em pé mesmo. Eu vim aqui juntamente com o Bernardo, pois queremos reaver o cargo de presidente, que por direito, pertence a ele - termina de falar com uma calma e frieza totalmente calculada.- Como é que é? - pergunta incrédulo. Sua face está branca e a sua jugular fica visivelmente exposta.- Isso mesmo Júlio. Viemos devolver a gestão da BioFort para quem ela pertence. O que já era para ter sido feito há tempo, afinal, o Bernardo já tem 36 anos, foi preparado para isso a vida toda, porém você se esqueceu dedar a ele seu verdadeira cargo não foi? - Ironiza.- Ele é um moleque insolente, Beth... - contesta.- Elizabeth para você, Júlio. Estou aqui como acionista desta empresa e não como a sua ex-mulher. - O corta. - Podemos nos sentar ou você vai querer realizar os debates em pé?Eu nunca ouvi minha mãe elevando o tom de voz ou mudando seu timbre. Ela se manteve impassível e calma, mesmo sua voz a traindo.Observei os dois se sentando e acompanhei o gesto, sendo acompanhado pelo olhar pesado do meu pai sobre mim. Às vezes acho que ele tem razão quando me chama de covarde. Passei tanto o diálogo ideal na minha cabeça e quando cheguei aqui não consegui manter o script e deixei minha mãe conduzir toda a situação.- Beth, quer dizer, Elizabeth, você não pode estar falando sério. Eu gerencio essa empresa desde que ela...- Era dos meus pais, Júlio. Essa empresa de fato nunca foi sua. Eu entendo que a BioFort está onde está porque você não mediu esforços, mas agora chegou a hora dela ser gerenciada por aquele menininho que cresceu e está sentado bem à sua frente. Bernardo quem irá ser o presidente a partir da semana que vem.- Você não pode fazer isso, Beth. Sabe que não funciona assim.Temos que marcar uma reunião com os acionistas... - argumenta já sem fôlego.- Júlio, vamos nos poupar disso, ok? Bernardo e eu juntos, temos 80% desta empresa. Você acha mesmo que os 20% que é dividido entre você e os demais vão influenciar em algo? Você é mais inteligente que isso.- Isso não pode estar acontecendo... - diz colocando a cabeça entre as mãos.- Você estava ciente que mais cedo ou mais tarde isso aconteceria...- Se vocês me tirarem da presidência eu me mato - diz sério.- Infelizmente, sobre algumas escolhas suas, eu não posso interferir Júlio. Quer marcar a reunião, marque, mas saiba que semana que vem esta sala não pertencerá mais a você.- Está vendo moleque? Isso é tudo culpa sua. Eu dei a minha vida por tudo isso aqui e agora você vem querer me tirar tudo - diz forçando o choro.- Eu não estou tirando nada seu pai, estou reavendo o que é meu.Você nunca se quer me apoiou em nada. Era esse o seu plano desde o início,não era? Não me contar nada para que pudesse ser o presidente disso para sempre. - Solto.- Bernardo, não seja tolo, sabemos que ninguém é melhor do que eu para gerir a BioFort. Eu conheço tudo desta empresa. Se você acha que cuidar de um patrimônio como esse é brincar de banco imobiliário, está muitoenganado. É trabalho, dedicação e muito estudo. - Ele abaixa a cabeça e fica assim por alguns segundos até finalmente me olhar nos olhos novamente. - Filho, eu sei que não fui um bom pai e nem um bom esposo para sua mãe, mas não tire isso de mim...- Chega desse seu teatro barato, Júlio. Você não comove a mim e tenho certeza que nem ao Bernardo. Mas em uma coisa eu tenho queconcordar com você. Você sempre foi um lixo de homem, nunca foi um pai de verdade, muito menos um marido decente. Marque a porcaria de sua reunião e peça para sua secretária nos avisar - minha mãe fala se levantando e eu a sigo.- Está certo, se é assim que querem, assim terão. Estarei sentado no camarote para assistir a falência desta empresa.- Estará sentado sim Júlio, mas não na cadeira de presidente, portanto goze bastante deste cargo, que por dias contados, ainda será seu.Saímos da sala sem olhar para trás. A conversa foi tensa e sei que não será fácil a conversa que teremos com os acionistas. Embora seja a minoria,meu pai fará de tudo para que nada dê certo.- Bernardo meu filho, vamos até a sua sala arrumar as suas coisas - fala me tirando dos meus pensamentos.Luísa se levanta de sua mesa assim que me aproximo.- Boa tarde senhor, Bernardo. Fico feliz em ver que o senhor voltou de viagem. Quer que eu te passe a sua agenda? - fala animada.- Depois a passaremos pode ser? Neste momento quero apenas que me traga dois cafés. A propósito, esta é minha mãe. Dona Elizabeth Campos.Você a verá muito nesta empresa a partir de agora.Luísa estende a mão e como sempre é muito simpática.- Muito prazer em lhe conhecer, senhora Elizabeth - fala assim que a minha mãe retribui seu aperto de mão. - Vocês querem açúcar ou adoçante?- Eu quero açúcar - respondo.- Eu também prefiro açúcar. Adoçante tem o gosto muito forte - retruca minha mãe.Entramos em minha sala e ao sentar deixo meus ombros relaxarem.- Você acha que serei um bom gestor, mãe?- Bernardo meu filho, é claro que você será. Eu estarei aqui ao seu lado para te ajudar no que for necessário - responde com sinceridade.- Quem será meu vice-presidente? - questiono. - Pois teremos que decidir um na reunião.- Penso em me candidatar. Eu costumava trabalhar com meus pais na Lubresol e quando a BioFort se consolidou eu estava presente e participei de tudo. Só me distanciei um pouco quando me separei do seu pai, mas até hoje,por ser acionista, tomo decisões pela empresa.- Você será uma excelente vice-presidente, dona Beth.Luísa bate na porta e entra com nosso café. Seu semblante demonstra que algo está acontecendo.- Está tudo bem querida?- Na verdade, não, senhora Elizabeth. O senhor Júlio está quebrando tudo na sala dele... não sabemos o que fazer...- Chame os seguranças, Luísa - falo.- Mas senhor, Bernardo...- Luísa, faça o que o Bernardo pediu, sim? - minha mãe diz calmamente.- Tudo bem - responde deixando a sala.- Devemos ir lá?- Deixa seu pai fazer o showzinho dele. Sabíamos que ele não aceitaria tão fácil.- Que merda. Logo a fábrica ficará sabendo e começará o falatório. - Penso alto.- Esse problema é fácil de resolver. Mande reunir todos os funcionários que estão trabalhando agora no refeitório e já fale com eles.- Assim? Sem ter planejado um discurso?- Discurso para quê? Fale o que você quiser falar. Abra o seu coração e conte aos funcionários sobre as mudanças. Aproveite e já veja com eles quais são suas necessidades. À hora é agora, meu filho. Você será o chefe enão precisará mais se disfarçar. Tenha os seus funcionários ao teu lado que você só tem a ganhar.- Você está certa mãe. É isso mesmo o que farei. Vou pedir para a Luísa ligar para todos os líderes das sessões e pedir para que eles reúnam o pessoal no galpão. Já fiz muita merda e fui muito omisso com essa empresa,então, à hora de me redimir, é agora.Saio da sala e vou até a mesa da Luísa. O barulho dos gritos do meu pai pode ser ouvido daqui.- Luísa ligue para os líderes e peça para que reúnam o pessoal no refeitório as cinco que preciso falar com todos.- Sim senhor. Mais alguma coisa?- Não. Quer dizer, na verdade, sim. Ligue na floricultura e peça para entregarem três dúzias de rosas vermelhas californianas no escritório de advocacia Castro Soares, aos cuidados da Emanuelle Fernandes.- Certo - diz anotando em sua agenda. - Quer que escreva algo no cartão?-Peça para ela estar aqui as cinco e que se reúna com o pessoal no refeitório, por favor.- Está certo. Já irei providenciar tudo o que me pediu.- Obrigado, Luísa. E esteja presente lá, também. Aliás, peça para todos os funcionários em geral estarem presentes.- Sim senhor.Pego o celular e digito uma mensagem para a Rebeca e para a Alícia, as convocando para estarem presentes, também, na reunião. Já que é para deixar tudo em pratos limpos e recomeçar do zero, que todas as pessoas importantes na minha vida estejam presentes.Saio do escritório sem me importar de ter deixado minha mãe sozinha na minha sala. Preciso ficar um pouco sozinho.O melhor lugar em que posso ficar agora é no meu carro. Longe dos surtos do meu pai, dos olhares curiosos dos funcionários, da cordialidade exagerada da Luísa e até mesmo, longe da proteção da minha mãe.Porra, eu tenho 36 anos e não sei como deixei a minha vida tomar esse rumo.Ligo o rádio e a música do Tim Maia - Me dê motivos - começa a tocar. Fecho os olhos e começo a prestar atenção no que ele cita antes de começar de fato a cantar a música.
"É engraçado, ás vezes a gente sente fica pensando Que está sendo amado, que está amando e que Encontrou tudo o que a vida poderia oferecer E em cima disso a gente constrói os nossos sonhos Os nossos castelos e cria um mundo de encanto onde tudo é belo até que a mulher que a gente ama, vacila e põe tudo a perder
E põe tudo a perder..."
É incrível como sinto que essa letra foi feita para mim. Não sei explicar, só sinto.Fico divagando os meus pensamentos desde a minha época de infância até agora. Penso em tudo o que terei que dizer na frente de todos hoje.Alguém entra no banco do carona, interrompendo, assim, o meu momento de reflexão. Era só o que me faltava, parece que jamais poderei ter paz.- Saia do meu carro agora! - digo ríspido.- Não saio antes de conversarmos - responde.- Eu não tenho nada para conversar com você.- Nós temos muito o que conversar, Bê, e eu não vou sair até que você me ouça.- Pois então, fique. Eu saio. - falo fazendo a menção de sair do carro.- Por favor, Bernardo, fique. Eu serei breve - implora.- Diana, eu não deveria nem estar falando com você. Tenho nojo só de olhar para essa sua cara.- Eu sei que errei com você, Bê, e estou aqui para te pedir perdão por tudo. Nossa história foi muito linda para acabarmos assim...- Nós não temos mais nada há muito tempo. A nossa história não passou de uma mentira muito bem articulada por você e pelo meu pai. Era dinheiro o que você queria? Status? Ainda fez eu me sentir culpado durante anos pelo aborto que você fez... você tem ideia do quanto isso acabou comigo? Você tem ideia do estrago que deixou em minha vida? Por sua culpa eu fechei meu coração por anos e tratei as mulheres com desprezo, pois cada uma que eu maltratava eu me sentia vingado. Você me fez virar um monstro, Diana, e agora quero retomar minha vida da parte em que você nunca esteve presente. Quero voltar a ser o Bernardo que era amigo de todos, que sorria,que amava a vida e que vivia. Não vou mais me privar de nada por conta do que sofri e do que estou passando. Você está entendendo?- Nossa, Bê, eu não sabia o quão mal tinha te feito - diz chorando.- E nem mensurava o quanto te fiz sofrer. Eu vou te deixar em paz. Só vim te desejar boa sorte e que você consiga um dia me perdoar. Eu fui uma tola e acabei me iludindo por promessas as quais não se cumpriram... eu estou voltando para Portugal. Vou ficar lá com meus pais e trabalhar na empresa da família.-Vá com Deus, Diana. Que você seja feliz lá - falo sem emoção.- Bem era só isso mesmo. Me desculpa tomar o seu tempo.- Você já chegou a tomar muito mais do que apenas meu tempo.Ela desce do carro e o ar parece arder meus pulmões.Olho no relógio e faltam apenas vinte minutos para que eu me encontre com o pessoal.Será que a Manu recebeu as flores? Será que ela vem?Rebeca e a Alícia já confirmaram presença. Sei que me sentirei mais seguro com elas aqui.Respiro e abro a porta, bem a tempo de dar de cara com meu pai entrando em seu carro. Ele me encara e entra sem dizer nada, o que fico feliz, porque não queria iniciar mais uma discussão.Faltam dez minutos para o horário marcado e nem sinal da Manu aqui.Tenho esperanças que ela venha, mas sei que as chances dela não vir são maiores ainda.Subo para meu escritório e minha mãe não está mais aqui. Luísa me avisa que ela já desceu para o refeitório e que disse que me encontraria lá.Ajeito a gravata no espelho e me preparo para descer. À hora é agora e assim como prometi a mim mesmo, hoje saio daqui como presidente.
