#CAPÍTULO 24
18/06/2018
O cheiro de Portugal é inconfundível. Desço no aeroporto de Lisboa e pego o trem em direção a Fátima.É tão estranho estar aqui de novo, por mais que de vez em quando eu venha ver minha mãe, parece que desta vez é diferente...O caminho é feito no mais absoluto silêncio, não apenas pela falta de companhia, mas sim pela falta de vontade de puxar papo com a moça ruiva que está sentada ao meu lado.A paisagem é minha distração ao longo do percurso de uma hora. Só quero ver quando dona Beth me ver parado à sua porta.Como ela mora no centro da cidade, em minutos após minha chegada em Fátima, já estou em frente à casa azul de tijolos vermelhos.Encho os pulmões de ar e em seguida o solto numa lufada. É agora ou nunca, já que estou aqui...Aperto a campainha e aguardo a senhora de cabelos negros sair para atender.-Mãe... - falo assim que ela abre a porta.Seus olhos a traem e ela começa a chorar. A cena acontece em câmera lenta e, assim como nos filmes de drama, ela corre ao meu encontro me abraçando forte em seguida.- Bernardo, meu filho que saudade. Quanto tempo, meu Deus! Olha só como você está lindo - diz, deixando uma trilha de beijos em meu rosto.- Nem faz tanto tempo assim...- Claro que faz... eu sonhei tanto com uma visita sua nos últimos anos, mas eu sei que você não veio somente por saudade, está estampado em seu rosto que tem algo errado - afirma com puro instinto de mãe.- Podemos entrar? - pergunto. - Acho que na sala acompanhado de uma xícara de café é melhor para conversarmos.- A curiosidade foi tanta que nem me lembrei que estávamos aqui fora ainda. - Observa.Pego a mala e carrego-a para a casa, a qual conheço muito bem. Passei lindos anos aqui e foi exatamente aqui, nesta sala, que pedi a Diana em casamento...- Bernardo, eu estou preocupada com você. Estou falando e você sequer prestou atenção.- Desculpa mãe... esta sala me trouxe tantas lembranças que fiquei perdido nelas. Mas o que você estava falando?- Perguntei quanto tempo você vai ficar aqui. O seu quarto está exatamente como você deixou pela última vez - fala animada.- Eu ainda não planejei a duração da minha estadia. Pretendo ficar o quanto achar que devo, se isso não for problema para você - murmuro.- Minha casa é a sua casa Bernardo. Você quer tomar um banho e descansar primeiro? Aí nós conversamos no jantar.- Está certo. A viagem foi desgastante. - Concordo pegando a xícara de café que ela estende para mim. - O café está maravilhoso...O tempo instável de Fátima colabora para meu momento nostálgico. A chuva fina lá fora é um convite para um descanso revigorante.- Então vou subir...- O seu quarto continua sendo o mesmo - diz, depositando um beijo na minha testa.Entro no quarto que por alguns anos foi meu. É estranho ver que os pôsteres das minhas bandas favoritas ainda estejam pendurados. A cama de casal - uma conquista de quando fiz 15 anos -, ainda continua como me lembrava.Quando vim para Fátima pela última vez, acabei saindo daqui noivo. A família da Diana também é daqui e como uma boa família tradicional portuguesa, logo nos deu permissão para nos casar, ainda mais quando soube do ramo promissor o qual eu atuava no Brasil.Meus pais se divorciaram quando eu tinha 12 anos. Senhor Júlio nunca foi um homem ligado a família e seu emprego e negócios sempre foram as suas prioridades. Sem contar que as diversas puladas de cerca durante as viagens, acabaram sendo descobertas pela dona Beth. Então passei a morar somente com a minha mãe. Meu pai vinha me visitar anualmente, pois seu empreendimento estava indo de vento em poupa. Minha mãe sempre fez o papel de mãe e pai no dia a dia e nas datas comemorativas. Cresci tendo uma boa educação e estudei em ótimas escolas. Foi quando chegou a época de ingressar em uma faculdade e meu pai me ofereceu um cargo na BioFort.Para um garoto de 18 anos era a oportunidade dos sonhos, trabalhar ao lado do pai, estudar em uma boa universidade em seu país natal, conhecer novas garotas e o melhor: morar sozinho.Sem pestanejar, eu aceitei. Em menos de um mês já estava em Ijuí morando em um belo apartamento próximo da faculdade. Arrumei uma empregada que em poucos meses virou a minha governanta, a qual eu não vivo sem até hoje. Marli me foi de grande valia e me ajudou a amadurecer muito, ela acabou fazendo o papel da minha mãe. Dorenice também me ajuda demais mantendo minhas roupas em ordem. Literalmente elas são uns anjos os quais tive a sorte de ter em meu caminho.Após terminar a faculdade de administração comecei uma pós em gestão financeira nos Estados Unidos. Meu pai sempre eufórico em ter um filho o qual se interessava pela empresa e pelos assuntos referentes à BioFort.Estudei a fundo todos os assuntos os quais poderia usar na empresa. Foi quando retornei a Fátima para fazer o MBA de gestão de negócios. Sete dias em Lisboa foi o suficiente para me fazer ficar de quatro pela Diana. Seus pais tinham um negocio aqui e iriam ampliar para o Brasil.Diana era linda. Uma mulher culta que sabia o que falar e como falar.Um pouco ambiciosa demais, sempre querendo muito além do que era oferecido, mas mesmo assim, me apaixonei.Voltamos juntos para o Brasil, onde a apresentei ao meu pai. Ele de cara se encantou pela bela portuguesa e apoiou firmemente nosso romance.Meses foram se passando e decidimos marcar a data do casamento, porém, Diana descobriu que estava grávida. Parecia que meu mundo estava de ponta cabeça. Eu não queria ser pai, não estava pronto e nem preparado para isso.Meu pai ficou eufórico com a chegada de um herdeiro, já eu não sabia nem o que pensar disso tudo. Chamei a Diana e fui franco com ela em dizer que naquele momento eu achava que não era a hora de termos um bebê. Fui um covarde, eu sei, mas mesmo não sendo mais um adolescente, eu era inexperiente em relacionamentos e a notícia me assustou.Ela sumiu por cinco longos dias. Não atendia as minhas ligações. Seus pais me acusavam de algo o qual eu não sabia. Diana tinha tirado o bebê e por consequência desse ato, teve uma hemorragia, o que acabou resultando em uma internação e transfusão sanguínea. Eu convivi muitos anos achando que era o monstro que fez a Diana tirar o próprio filho.Entro no chuveiro e lágrimas banham meu rosto. Eu teria criado meu irmão como se fosse meu filho. O que minha mãe vai achar quando ficar sabendo que meu pai me traiu junto com a minha ex-noiva?É tudo tão duro. Agora percebo como fui canalha em tratar todas as mulheres como meros objetos pelo simples fato de ser um fodido com orgulho ferido. Como fui inconsequente em transar com todas aquelasmulheres sem preservativo apenas por achar que eu controlava quando eu queria ser pai. Mera ilusão, pois a agência onde contratava as meninas as fazia tomar contraceptivos e a realizar exames periodicamente. Graças a Deus alguém com mais consciência do que eu administrava a agência.Saio do banho pegando o celular para checar se alguém me mandou um torpedo ou uma mensagem de voz. E como eu imaginava, ninguém.Estou com 36 anos e agora vejo que meus amigos casados tinham razão, ia chegar uma hora a qual eu iria precisar de uma companhia, e eu acabei jogando a única oportunidade real, fora.Quando conheci a Manu, vi que ela era diferente das demais, um pouco maluca, mas tão machucada quanto eu. Ela se apaixonou pela minha essência, pois o Vicente não tinha bens para oferecê-la. Eu não acreditava mais em amor, muito menos à primeira vista, até ver que isso não é invenção dos autores de livros e poetas apaixonados. É real, é involuntário eincontrolável. É sentir borboletas no estômago, ver que a mão soa mesmo sem estar calor e que o coração pode bater muito mais rápido e ir de bradicardia à taquicardia em questões de segundo. Eu estou amando e por incrível que pareça, estou sofrendo por esse amor.Deito embaixo das cobertas que me aconchegam de uma forma fraternal. Sinto-me um boiola com tantas filosofias e lembranças, mas sinto que estou me libertando de uma casca a qual criei para repelir as pessoas da minha vida. Esse é o verdadeiro Bernardo, um homem gentil, carinhoso, amoroso e romântico.Digito uma mensagem rápida a Becca e a Alícia, avisando que já cheguei e estou bem, lembrando-as que me prometeram ficar de olho na Manu e arrumar para ela um emprego decente.Acordo com um beijo no rosto. Por um segundo imaginei que era os meus sonhos se tornando realidade, mas ao abrir os olhos, constato que a minha princesa é a minha mãe e não a maluquinha.- Filho é com muita dó que te acordo, mas já está na hora do jantar.Sei que o fuso não ajuda muito, mas temos que comer.- Sem problemas mãe, terei uma noite toda para descansar.Desço e vejo a mesa posta. Como sempre, ela deixa a mesa impecavelmente arrumada.- O cheiro está maravilhoso... - falo dando uma fungada no ar.- Fiz bacalhau com batatas rústicas e arroz negro. Era sua comida preferida quando morava comigo, você se lembra? - pergunta com os olhos brilhantes.- Claro que me lembro. Essa é a comida a qual você nunca errou o tempero, por isso se tornou a minha favorita - digo rindo.- É sério isso, Bernardo Salles? - diz cruzando os braços e batendo o pé.- Por acaso estou com cara de quem está brincando? - falo sustentando a cara de sério.- Poxa Bernardo, faz anos que você não me visita e agora fala isso para mim? Mas já que você confessou isso, também tenho algo sério para confessar... Eu nunca fiz essa receita, sempre comprei na rotisserie do senhor Joaquim...- É sério isso dona Elizabeth? - pergunto espantado com a confissão.- Por acaso estou com cara de quem está brincando? - responde imitando a minha fala.- Nossa mãe, eu nunca que iria imaginar...Ela gargalha e então percebo que cai em uma mentirinha.- Claro que estava brincando né Bernardo., eu nunca errei a mão dessa comida, pois ela é feita com amor. Esse é o verdadeiro tempero o qual eu coloco sem moderação.Vou até ela e a abraço. É tão bom estar de volta e se sentir amado. Estar nos braços da minha mãe era o que mais precisava nesse momento em que me sinto tão volúvel.- Filho, eu sei que você não está bem e quero que saiba que eu estou aqui. Na verdade, eu sempre estive aqui para você, por mais que você cresça e tenha a sua vida, você sempre será meu pinginho e eu sempre vou te proteger e te ajudar as curar suas feridas.Pinginho... era assim que ela me chamava quando era criança. Me sentia tão especial e único.- Mãe, eu estou com tantos problemas que nem sei como resolver ou por onde começar a tentar.- Bernardo, vamos jantar aí você me conta tudo. Pelo que percebo deve ter mulher na jogada.- Tem uma maluquinha, mãe. Quer dizer, a nossa história é bem maluca.- Tenho todo o tempo do mundo para ouvir suas histórias...- Então se prepare dona Beth, pois minhas histórias incluem mais pessoas do que deveriam.- Devo tomar um calmante antes? - Zomba.- Gracinha, depois não diga que não a avisei.Começo contando a ela sobre a ideia do meu pai em me transformar em um chefe secreto.Ela ouve tudo sem pestanejar enquanto saboreia seu jantar. Sei que ao final da história a comida não será tão bem apreciada, mas já que estou aqui, não omitirei nenhum detalhe e espero que assim como prometeu, ela me ajude a encontrar uma solução.
