#Capítulo 22- Janaína
24/04/2018
Inspirei fundo, prendendo o ar nos pulmões à medida que eu caminhava ao encontro deles, tendo a certeza de que aquele churrasco não seria mais tão tranquilo. Destranquei o portão e enquadrei um sorriso no rosto, agarrando-me ao sarcasmo como escudo.- Se os dois estão aqui, quem está cuidando do inferno? - Nando esperou que Samanta entrasse e só então passou por mim, me encarando com cara emburrada. - O que você está fazendo aqui? - Sussurro para ele.- Os garotos me ligaram e falaram do jantar. Não vi motivos para não vir.Senti o sangue ferver nas veias. Ele me entregou um fardo de cervejas e foi para dentro da casa. Um pequeno sorriso de satisfação se formou no rosto de Samanta, que não esperou que eu perguntasse o motivo de sua desagradável presença na minha casa.- Conversei com Anastácia hoje à tarde e ela acabou mencionando que Dimitri estaria aqui.Claro, Anastácia. Você me paga, ruiva aguada!- Sinta-se à vontade. - Sorri sarcástica, indicando o caminho. - Dimitri está lá dentro.Samanta é a elegância personificada em pessoa e me olha de cima abaixo. Seu olhar se demora em meus pés e sei exatamente o que se passa na cabeça dela nesse exato momento: "Porque, Dimitri? Porque? " A verdade é que nem eu sabia a direito a resposta para aquela pergunta.- Algum problema? - Pergunto com irritação em minha voz.Ela sorri e caminha para dentro da casa. Bufo, revirando os olhos e, quando estou prestes a fechar o portão, Gustavo e Gabriel aparecem carregando algumas sacolas com latas de cerveja.- Oi mãe. - Gu me cumprimenta com olhar debochado.- Não me vem com essa de "oi mãe"! De quem foi a ideia estúpida de convidar o pai de vocês?- Relaxa. Você não queria um jantar em família? - Gabriel me desafia e sai. Eles se entreolham e voltam a me encarar.Ah garotos! Se eu não enfartar essa noite, é bom vocês aprenderem a dormir de olhos abertos! Olho para a rua, sentindo o fardo começar a pesar.- Está esperando mais alguém? - Gustavo espia na mesma direção que eu.Balanço a cabeça negativamente. Por Deus, não! Se Adônis vier, eu juro que vou embora e largo todos ali!******Samanta andava pela casa, olhando para tudo com ar superior, eu resolvi ignorar sua presença. Nando se instalou na poltrona e começou a jogar vídeo game com Gustavo e Gabriel. Quando voltei para a área onde ficava a churrasqueira, Dimitri espetava enormes pedaços de carne nos espetos metálicos.- Temos companhia. - Digo, me afundando na rede. Dimitri me olha surpreso, com um ar de divertimento no rosto. O fogo já crepita e estala no interior da churrasqueira.- Quem?- Sua mãe... e meu ex-marido. - Digo de uma vez, como quem arranca um curativo.Sua expressão tranquila muda da água para o vinho e a tensão se instala em seu corpo. Ele vira de costas e coloca o espeto para assar junto com os outros, vai até a pia e lava as mãos em completo silêncio e tira o celular do bolso da calça. Ele coloca o Iphone sobre a mesa de vidro próxima churrasqueira e então me puxa contra seu corpo fazendo-me ficar de pé. Meu corpo se aquece quando lembro da dança sensual no restaurante quando a vozperfeita de Irma Thomas canta harmoniosamente a canção. Eu sorrio quando ele me embala devagar ao ritmo da música.- Because I need your love so bad... - Ele canta ao meu ouvido, fazendo meu corpo inteiro estremecer com a declaração.Fico na pontas dos pés para não parecer tão baixinha perto dele.Naquele momento delicioso e íntimo, eu esqueço das surpresas desagradáveis recebidas minutos antes e me concentro nele, em seus olhos azuis esverdeados, apenas em sua perfeição. Surreal demais até para mim. Estou perdida demais nos olhos do meu "DD" que mal ouço as risadas que acompanham nossa dança e eu volto para realidade onde a sogra jararaca, filhos, e ex-marido nos interrompem a todo instante.- Desse jeito o churrasco não vai ser para hoje - Guilherme brinca.- Pai, não sabia que você sabia dançar! - Sara elogia, segurando um copo plástico com cerveja. Dimitri me solta e vai até ela.- Boa tentativa. - Ele pega o copo de sua mão e bebe um gole. - Sem cerveja para você. Já estou sendo muito liberal deixando você namorar aos quinze anos.-Pai! - Ela exclama exageradamente, e puxa Gui para dentro da casa.Em um movimento impulsivo não me aguento e belisco seu bumbum, atraindo sua atenção para mim. Finjo-me de inocente e pego seu celular. Ele ri e volta a assumir sua função de cozinheiro. Eu me pego olhando de novo para seu bumbum. Existe coisa mais sexy no mundo do que o "Doutor Delícia" cozinhando? Quando ele percebeu que eu o olhava, comecei a mexer no celular escolhendo uma música qualquer, envergonhada por ter sido pega no flagra.******Durante o jantar, todos nós sentamos à mesa. Nando sentou em uma extremidade, Samanta em outra. Sara, Guilherme e Gabriel sentaram-se de frente para nós.- O cheiro parece bom. - Eu digo, cortando o silêncio. Dimitri se ergue e começa a servir-me o primeiro pedaço da suculenta carne.Nando ficou olhando a cena com um bico que parecia arrastar ao chão. Busquei na mente a última vez que ele me servira e não consegui lembrar se, realmente, houve uma primeira vez. Quando tive os meninos, sua mãe, que era um amor, é que viera para me ajudar, pois o filho jamais trocara uma fralda ou lavara uma louça suja. Meu olhar voltou-se para Samanta. É, não se pode ter tudo.- Já pensou sobre a proposta que aquela Universidade de Boston lhe fez? - Samanta destilou seu veneno, e sorriu ao ver minha cara de surpresa.- Pai, você vai para Boston? - Pela entonação da filha, ela também parecia não saber de nada.Dimitri fuzilou a mãe com um olhar severo e limpou a boca com um guardanapo, antes de dizer qualquer coisa. Porque ele não havia me falado nada sobre a tal viagem? Senti um desconforto amargar dentro de mim.Talvez eu não fizesse parte daqueles planos.- Ainda não. E acho que esse não é o momento para este assunto.- Ele a repreendeu com polidez.O jantar correu silencioso. A tensão era tão intensa, que era visível no modo como eles mantinham a postura, e se encaravam a todo instante.- Vou buscar a sobremesa. - Fico de pé e vou para a cozinha, me odiando por ter deixado Nando e Samanta passarem pelo portão.Longe das vistas deles, abro a porta do freezer e apanho dois potes de sorvete. "Como ele não me falou de Boston? " Minha cabeça ainda martelava sobre a bomba que Samanta largara durante o jantar.- Janaína. - A voz de Nando me surpreende no meio do pensamento, e eu quase deixo tudo cair no chão.- Eu recebi os papéis do divórcio hoje. - Ele está próximo demais, posso sentir seu hálito de cerveja.-E? - Pergunto, sem paciência.- Como você me substitui tão rápido? Não me deixou ao menos lutar por nosso casamento.- Isso é ridículo Nando! Não havia mais amor em nossas vidas, eu era apenas a doméstica que punha as coisas em ordem nessa casa. Você não sentia mais atração por mim e, sempre que eu cogitava a ideia de cuidar de mim, você reclamava que não podíamos nos dar ao luxo de gastar com supérfluos, como academia. - Retruquei tentando manter o tom de voz. - Isso sem mencionar as suas traições. Quando eu vi aquela mensagem, foi a gota d'água!-Chega de besteira Janaína, vamos deixar esse capítulo da nossa história para trás. Eu errei, você errou. Mas temos um passado juntos! Você está mais gostosa agora. Se você quiser continuar indo à academia, pode ir!Eu até faço com você, mas não vamos jogar nossa vida fora por causa de uma aventura. Não vê que esse doutorzinho só está te usando para fazer briga com a mãe? Ele tem tanta vontade de começar uma nova vida com você e nem te contou da tal viagem. Abre os olhos Jana, vamos rasgar aqueles papéis e começar de novo.Abaixei o rosto tentando esconder as lágrimas que começaram a pinicar meus olhos. Nando me puxou para perto mas repeli seu toque imediatamente.- Nós erramos? Nós? Sempre fui fiel a você seu filho da mãe! Você não pode dizer o mesmo, seu cretino. Acho que a única parcela que tive nisso tudo foi deixar que você me anulasse e me humilhasse dessa maneira! Não pense que eu não estou vendo que você está colocando nossos filhos contra mim! Isso é baixo, até para você! Acho melhor você ir embora, Nando.Espero que tenha a decência de assinar os papéis e colocar um fim, de uma vez por todas, no erro que foi esse casamento.- Você acha que eu vou facilitar? Te dar o divórcio assim, de mão beijada, para você ficar com metade de tudo que eu construí? Ir gastar o meu dinheiro com esse doutorzinho de merda que você arranjou? - Ele estreitou os olhos e sorriu irônico.- Fernando, você já conhece a saída, mas caso não se lembre, ficarei feliz de mostrar a você. - Dei uma risada nervosa.Dimitri apareceu na entrada da cozinha e escorou-se no marco da porta, os braços cruzados na frente do corpo e os bíceps marcando debaixo da camisa.- Algum problema, Jana? - Ele diz, lançando um olhar ríspido para Nando.- Nada que eu não possa resolver sozinha. - Dei uma patada e passei por ambos, voltando para a sala de jantar.Vejo que Samanta observa Sara e Guilherme retirando os pratos sujos enquanto Gabriel e Gustavo estavam esparramados no sofá, jogando vídeo game.- Amores da minha vida! A louça não irá se lavar sozinha. Se vocês não quiserem encontrar esse maldito Xbox de molho dentro da pia, é melhor que a mantenham vazia e limpa.Me abaixei e puxei os fios da tomada desplugando tudo de uma única vez e voltei a encará-los e eles se arrastaram para a mesa de jantar para ajudar Guilherme com a organização e limpeza da sujeira. "Filhos..."Samanta, que assistia a tudo, não se conteve e disse enquanto Nando passa por mim, pisando duro e bate a porta da sala quando se vai. Logo depois, Dimitri surge com expressão dura no rosto.Entre mortos e feridos, salvaram-se todos. Samanta também vai e Sara convence Dimitri a liberá-la para dar uma volta com meus garotos.- Ela está bem acompanhada. - Sorrio, dando um apoio a eles.Finalmente estamos a sós e, apesar de estar engasgada com a história de Boston, eu não falo nada. Quero que ele toque no assunto, mas Dimitri se fecha ainda mais. Eu apelo para indiretas que não surtem muito efeito.- Bom, agora você já me desvendou por completo, está pronto para sair correndo?- Você está cheirando à churrasco. - Ele brinca, desviando do assunto.- Você também não está tão cheiroso quanto pensa. - Retruco."Meu Doutor" se inclina um pouco e morde meu lábio inferior, fazendo meu corpo estremecer.- Tenho uma sugestão - Sua voz sai cheia de malícia. - Um banho.Apesar de cada mísera célula de meu corpo reverberar com a ideia de Dimitri nu, esfregando meu corpo com uma esponja macia e perfumada, eu recuso.- Vou ter que recusar, Doutor. - Eu o afasto e abro a porta.Dimitri me dá um beijo suave no canto dos lábios. Eu não quero chorar, mas quero que ele perceba minha irritação, e então ele se vai. Eu o odeio ter deixado ele ir embora sem sequer ter falado sobre a tal viagem que sua mãe mencionara, e me odeio ainda mais por não ter tido a coragem de perguntar. Lá no fundo, eu estava com medo de sufocá-lo. Se ele realmente quisesse ir, que fosse, mas que pelo menos me falasse sobre isso.Afundei-me no travesseiro e chorei de frustração. Maldita Samanta!Maldito Dimitri, por que tem que ser tão fechado? Eu sou a porra de um livro aberto. Meu coração apertou quando percebi que havia a possibilidade de não o ver amanhã, droga de sábado! Se ele levasse Sara para a fazenda da Cruella Devil, ficaríamos sem poder conversar até segunda feira. Janaína, como você é burra mulher! Porque não perguntou de uma vez que porra de viagem era essa? Porque? Será que eu não havia aprendido nada com essa merda de casamento? Homens simplesmente não entendem indiretas.Naquela noite rolei na cama por um bom tempo até que as poucas horas de sono foram regadas à pesadelos. Acordei suando frio, tirei o celular debaixo do travesseiro e olhei as horas. Droga! Mesmo podendo dormir até mais tarde no fim de semana, eu acordo as quatro da manhã. Obrigada, Adônis, por me colocar esse péssimo hábito! Sem conseguir voltar a dormir, levanto da cama e vou até a geladeira. Sirvo um copo de água gelada e deito na rede pendurada na varanda do lado de fora da casa. "Já pensou sobre a proposta que aquela Universidade de Boston lhe fez? " A voz de Samanta ecoou em minha cabeça mais uma vez. Droga, Dimitri! O que mais você está me escondendo?- Janaína... - A voz familiar me chama. Me inclino na rede para ter certeza que não estou ouvindo coisas, mas é realmente Adônis que está parado no portão, usando uma regata branca e calças escuras. Em uma das mãos ele carrega uma pequena garrafinha metálica.- Adônis? - Pergunto, ainda não confiando em meus olhos sonolentos.- E quem mais seria? - Ele pergunta com um risinho convencido no rosto.
