#CAPÍTULO 17

11/06/2018

Acordo sentindo a cama vazia. Passo a mão do lado e não sinto mais o corpo dela. As cortinas estão fechadas impossibilitando que eu veja se ainda é noite ou se já amanheceu.
Busco o celular no criado mudo e no display mostra que ainda são cinco e meia da manhã.
Demoro a perceber que Manu não está no banheiro, ou em qualquer outro lugar desse quarto. Ela foi embora.
Ligo para a recepção e sou informado que ela saiu há meia hora.
Caralho, que mulher estranha.
Arrumo as coisas e quando vou pegar a chave do carro, vejo que tem um bilhete dobrado embaixo dela.

Vicente, eu adorei a noite, amei cada segundo ao seu lado. Peço desculpas por sair assim... não tive coragem de te acordar... mentira, na verdade eu tive medo de como seria se acordássemos juntos... não pense que te abandonei e que sou covarde, só que preciso desse tempo sozinha, embora sei que quando tu ler esse bilhete, vai vir correndo me procurar...

pegue-me em frente a BioFort às sete, (isso se tu ver esse bilhete a tempo) para voltarmos juntos para casa, assim senhor Josias não desconfia que "matei" serviço. Te amo! Sua Maluquinha.

Não acredito que ela saiu daqui para ir à BioFort. Custava irmos juntos? Na verdade nem lá precisava ir.
Pago o hotel e pego o tomate atômico. Por sorte, a empresa não é tão longe daqui. Cazuza que me perdoe, mas não prestei atenção em nenhuma música que ele cantou durante esse trajeto.
Do outro lado da rua, bem em frente ao portão de saída, está ela. E está conversando com alguém que não consigo identificar de início.
Dou uma buzinada, mais para demarcar território do que para avisar que cheguei. Das sombras sai uma figura a qual imaginei que não veria mais aqui.
Lúcio dá um abraço na Manu e uma piscadela para mim.
Eu mato esse otário!
Manu vem até o carro com um sorriso lindo nos lábios. A face está mais corada.
- Tu acordou cedo em guri - fala entrando no carro.
- Talvez seja porque a minha namorada me largou no meio da madrugada para vir se encontrar com outro homem na rua - disparo.
- Tá com ciúme, Vi?
- Eu não diria ciúme... talvez eu esteja zangado e não enciumado.
- Pois isso é uma boa - fala tirando os olhos da rua e os virando em minha direção. - Como tu não tem ciúme, não ficara bolado por saber que vou almoçar com o Lúcio.
Freio o carro bruscamente. Por sorte estamos de cinto e a via está vazia.
- Tu tá maluco Vicente? Quer nos matar? - grita.
- Acho que o maluco aqui não sou eu. Que porra está acontecendo entre você e o Lúcio?
- Está com ciúme ou não?
- Tô, porra! - falo com raiva. - Não gosto desse Lúcio. Você não percebeu que ele é doido para te levar para a cama?
- Guri - fala segurando meu rosto com as mãos. - Ele pode ser doido pra me levar, mas eu não sou maluca para ir. Eu gosto mesmo de você
e no momento é isso que importa.
- Você vai mesmo almoçar com ele?
- Ele disse que tem algo para me contar. Tu acredita que esperaram ele trabalhar a noite toda para mandá-lo embora? Isso é coisa daquele imbecil do Bernardo, tenho certeza.
Ligo o carro para dar fim a conversa.
- Tu não vai falar nada? - indaga.
- Não gosto do Lúcio.
- Ele não te fez nada...
- Manu, não vamos falar do Lúcio. Vamos falar de nós.
Ela pula a música que está tocando e a seguinte começa a ecoar pelo carro.
- Vicente, obrigada por ontem.
- Eu quem agradeço pela confiança...- Não era exatamente esse papo que eu tinha em mente.
- É sério. Obrigada pela paciência e pelo carinho. Foi tudo mágico... e lindo - fala fechando os olhos e cantarolando a música do Legião Urbana, Vento no litoral.
Faço o caminho me perguntando se esse é o momento para contar tudo a ela. Sei que ela vai me odiar e é por isso que venho adiando...
- Maluquinha, chegamos - digo enquanto balanço de leve seu braço.
- Você vem jantar comigo? - pergunta já abrindo a porta.
- Farei melhor. Venho te buscar para almoçarmos fora.
- Vicente... Já te falei que vou almoçar com o Lúcio, mas aceito fazer esse programa a noite.
- Tem certeza? Vai mesmo me trocar pelo Lúcio?
Ela dá a volta no carro e vem até a minha janela.
- Eu te amo, Vicente da Silva - fala me beijando.
Chego em casa e tiro as lentes. Dormir com elas está prejudicando demais meus olhos. Estou pensando em ficar sem elas e dizer que troquei por uma lente azul. Pensarei nisso depois que acordar.
- Guri... tô entrando.
Sou despertado com uma louca me gritando no portão. Olho no celular e ainda são nove horas.
A porta é massacrada com uma Manu batendo nela sem parar.
- Já vou - grito correndo para o banheiro para colocar as benditas lentes.
- Aprendeu a trancar a porta é? - fala rindo.
Faço o caminho até a porta e a destranco. Não tenho nem tempo de abri-la direito e ela já pula me abraçando pelo pescoço.
- Nossa, o que aconteceu? - pergunto. - Tudo isso é saudade?
- Tu não sabe o que aconteceu! - continua a falar gritando.
- Não sei mesmo, mas estou doido para saber.
- Marquei a data do nosso casamento! - fala me dando um selinho.
Olho para ela espantado. Eu sabia que ela era louca, só não sabia que nesse ponto. Eu não quero me casar. Na verdade nem posso casar, eu não sou Vicente, sou o Bernardo Salles...
Sento no sofá e apoio a cabeça nas mãos. Preciso contar a ela. E não estou pronto para casar.
- Guri? Tá me ouvindo? - fala se abaixando para ficar na altura dos meus olhos. - É mentira.
Solto o ar que estava preso. Encaro-a nos olhos e vejo que a magoei de alguma forma. Mas também caramba, acabei de acordar e ela vem brincar com algo tão... Eu não quero casar, não tão já.
- Percebi que não tem pretensão de se casar comigo, Vicente.
- Não é isso Manu. Claro que quero me casar, só não agora. Ainda estamos nos conhecendo.
- Você quer mesmo? - fala abrindo o sorriso mais lindo que já vi.
- Claro que quero maluquinha. Agora vem aqui me dar um abraço e me contar o que a fez cair da cama.
Abraçamo-nos e demos um longo beijo. O sabor de sua boca é algo o qual nunca sequer provei em outra mulher. Manu despertou em mim a vontade de amar e ser amado. Cuidar e ser cuidado. Fazer amor e não apenas sexo...
- A Laura do RH me ligou hoje... - começa a falar. - E me deu uma notícia maravilhosa.
- Sério? E qual é?
- Além de me fixarem num horário, vão pagar o restante da minha faculdade! - fala dando pulinhos. - Isso não é maravilhoso?
- Claro que é Manu! - digo rindo, contagiado pela sua alegria. - E quem fez essa proeza?
- Tenho certeza que foi o Lúcio. Ele é amigo do Bernardo e sabia da minha situação. Acho que era isso que ele queria me contar no almoço de hoje, mas a Laura me ligou antes dele fazer a surpresa - fala tão rápido que parei de prestar atenção quando ela cita o nome do Lúcio.
- O Lúcio? - indago entre dentes.
- Vi, eu sei que você não gosta dele, porém ele é meu amigo. Eu pedi isso tantas vezes para o Bernardo e tomei tanto não na cara... não estrague o momento com seu ciúme bobo.
- Eu não estou com ciúme - retruco indo para a cozinha tomar um copo d'água.
- Está com o que então? - pergunta vindo atrás de mim.
- Eu só não gosto dele e ponto. Meu santo não bateu - Não me convenceu.
- Porra, eu não gosto de ver você com ele e nem de achar que foi ele quem falou com o Bernardo. Já passou pela sua cabeça que pode ter sido eu quem tenha pedido isso ao Bernardo?
Ela ri. Uma gargalhada alta e que me fere. No mínimo ela deve me achar um bosta.
- Manu, vá para casa - falo cortando sua risada.
- Tu ta me expulsando? - pergunta atônita.
- Jamais faria isso. Estou só querendo ficar sozinho.
- Por que isso?
- Simplesmente porque você ri da minha cara!
- Eu estava só brincando, Vicente. Sei que você falou aquilo por ciúme, você assumindo ou não, mas é que achei algo meio que impossível tu ir conversar com o Bernardo, já que ele não atende ninguém em sua sala.
- E como você tem certeza que ele atendeu o Lúcio?
- Porque eles são meio que amigos.
- Eu nunca fui amigo desse imbecil! - grito.
- O quê?
- Isso mesmo Manu - falo exausto. - Eu nunca fui amigo do Lúcio.
- Não estou te entendendo Vicente. Tu está me assustado.
- Estou tentando te dizer isso desde ontem, mas não consegui...
- Não conseguiu o que?
- Te dizer que eu sou o Bernardo, porra! - falo sentindo o peso dos seus olhos sobre mim.
Ela sai da cozinha e vai até a sala. Os minutos em que ela passa lá parecem ser uma eternidade.
- Isso não pode ser verdade - murmura de volta a cozinha.
- Manu - chamo-a retirando de uma vez as porcarias das lentes. - Eu sou o idiota do Bernardo Salles.
Ela começa a chorar e vejo que talvez eu não tenha feito a escolha certa em contar a ela.
- Isso tudo é um teatro Bernardo? - fala cuspindo as palavras. Seu olhar antes com doçura agora está amargo como fel.
- Manu, tudo pode ser uma farsa, menos o que sinto por você - digo me aproximando.
- Não chega perto de mim! - grita. - Eu sabia que tinha algo errado quando vi aquela nota e a caixa das lentes. Como fui idiota...
- Maluquinha não fala isso...
- Não me chama de maluquinha - diz com a voz alterada. - Tudo o que tivemos foi uma farsa... ontem foi uma farsa... eu me entreguei de corpo e alma a você Bernardo. Eu te levei para dentro da minha casa!
- Eu te amo, Manu! Ontem foi a melhor noite da minha vida. Foi preciso esse disfarce.
- Esse lance de pagar a minha faculdade é o que? Pagamento pela transa? Ou piedade da pobre funcionária? É o que você costuma pagar para as vadias que come?
O rosto dela já está banhado pelas lágrimas. Eu não pensei que essa conversa teria esse rumo. Imaginei que não seria fácil e que ela se sentiria traída, mas que entendesse após tudo explicado.
- Como fui tola. Tu não imagina o lixo que estou me sentindo, Bernardo Salles. - Começa a rir e eu não entendo sua reação. - Olha que
irônico, eu falei mal de tu para tu mesmo.
- Emanuelle, não é nada disso que você está pensando. Você entendeu tudo errado. Eu gosto mesmo de você, tanto que acabei de te dizer tudo isso.
- Tu falou porque estava com medo do meu almoço com o Lúcio e se mordeu porque falei que foi ele quem intercedeu pela minha faculdade.
- Para de falar asneira Manu. Qual parte do eu te amo você não entendeu?
- Bernardo, tu não sabe nem o que é isso. Sua vida toda é uma farsa.
Seu cargo é uma farsa, suas amizades e suas transas são uma farsa... eu sou uma farsa!
O desespero toma conta de mim. Estou sofrendo a dor da perda sem realmente ter perdido algo. Ainda.
- Manu para! Escute-me! - falo exasperado. - Eu errei em não te contar tudo desde o início. Tive receio de você me odiar como está nesse momento. Você falou tanto do Bernardo que fui adiando o momento de revelar quem eu era...
- Eu quero que me demita. Não vou pedir a conta porque preciso do dinheiro e sei que ele não faz nenhuma falta na conta milionária da BioFort...
- diz quase como um sussurro.
- Maluquinha, não faz isso com a gente...
- Tu deveria ter me contado antes de termos... transado.
- Nós não transamos Manu, nós nos amamos.
- Estranho ouvir isso do comedor Bernardo.
- Caralho, eu já estou me estressando. Você não entendeu nada do que falei? Foi preciso, ok?
- Eu entendi tudo Vicente. Quer dizer, Bernardo - diz se dirigindo a porta. - Obrigada pelo tempo que dedicou a mim e a minha família, mesmo sendo um teatro, foi bom.
- Manu, não vai embora. Vamos conversar... - Tento pedir pela última vez.
- Não estou com cabeça guri. Me deixa pensar um pouco...
- Você ainda vai almoçar com o Lúcio?
- Sério isso? Pode parar com o teatro de ciúme. Mesmo não te devendo satisfações eu vou te responder. Eu não vou mais almoçar com ele,
tu conseguiu estragar um dia que estava começando bem. E aliás ele ia me contar algo que provavelmente você acabou de dizer...
- Não podemos terminar assim, somos um casal.
- Éramos um casal - fala tirando o anel. - Pelo menos era o que eu achava que fossemos...
- O anel é seu - falo no mesmo instante que ela o estende em minha direção. - Ainda vou te provar que o que sinto é verdadeiro e que a escolha desse símbolo não foi em vão. Se você me conhecesse um tempo atrás, te daria toda razão em me xingar do que quisesse. Mas hoje posso dizer que mudei. Nunca na minha vida senti o que sinto por você e tenho plana convicção de que não é uma farsa como você diz.
- Guarde seu discurso Bernardo. Seu segredo estará guardado comigo.
Direi aos meus pais que a gente não deu certo e terminamos - fala entre soluços.-
Tudo bem, Emanuelle. Já disse tudo o que poderia dizer. Já pedi perdão e abri meu coração. Agora é com você. Te darei o seu tempo, só não me faça esperar demais, pois meu relógio também corre - digo passando por
cima do meu orgulho ferido.
- Não se esquece de pedir minha rescisão, por favor. Eu preciso muito desse dinheiro...
- Pedirei para a Laura deixar pronta. Te pagarei o aviso prévio, portanto não precisa nem cumpri-lo.
- Obrigada - fala já saindo e nem me dando tempo de resposta.
É incrível como o universo conspira contra mim. Talvez se eu não tivesse dito nada ela nunca descobriria. Talvez... pois tenho certeza que o Lúcio diria isso a ela hoje.
Minha cabeça dói e sei que é devido à discussão. Sinto-me como um garotinho de dez anos que perdeu a paixonite de escola. Preciso de colo e sei muito bem onde encontrar.

© 2018 Papo de Malícias & Delícias. Ponta Grossa PR
Desenvolvido por Webnode Cookies
Crie seu site grátis! Este site foi criado com Webnode. Crie um grátis para você também! Comece agora