#ANELISE – CAPÍTULO 83

13/08/2018

Pode parecer bobagem ou coisa da minha cabeça, mas enquanto Marcello dirigia, eu sentia uma forte tensão no ar. Sua mandíbula estava apertada e ele quase não falava nada, o que estava me deixando nervosa.
-Lelo, tá tudo bem? Você está... esquisito, sei lá.
Ele se vira para mim, ainda meio perdido em seus pensamentos.
- Desculpa Lise, o que você falou?
- Eu disse que você tá estranho.
- Eu estranho? Não, claro que não. - ele aperta minha mão - Só não queria que você viajasse com esse cara, sei lá. Você acaba de sair de um relacionamento, acho que devia esperar um pouco. Estou preocupado.
Essa história de novo.
- Não Lelo, eu fui chutada de um relacionamento, é diferente. - reviro os olhos e fixo meu olhar á frente do caminho, tentando descobrir onde iriamos comer. Marcello tem feito suspense até agora e eu não sei por que.
Era só um jantar, oras.
Seguimos em silêncio o restante do caminho até finalmente estacionarmos nas vagas da orla da praia, que dava para diversos restaurantes. Os carros da Rúbia e do meu pai já estavam lá. Descemos do carro e caminhamos alguns metros, até Marcello finalmente me apontar o restaurante escolhido.
Rechaud.
Ah não, que sacanagem.
Era o restaurante em que Petrus e eu sempre íamos cantar e minha família nunca sequer pisou ali. Por que justo agora Senhor?
O universo e a sádica mania de tirar uma com a minha cara.
- Lelo... - me viro aflita para ele - Não quero entrar nesse restaurante.
Ele para de frente comigo e faz uma cara confusa.
- Por que não? É simples, mas é aconchegante vai. - ele me dá um sorriso cálido.
- Eu sei que é aconchegante. Eu e Petrus sempre vínhamos aqui - me viro aflita para ele - Muitas lembranças Lelo, não dá.
Ele passa a mão pelos cabelos, pensando um pouco, mas finalmente fala.
- Desculpa Lise, mas eu já reservei e paguei. Papai e Rúbia já estão lá, provavelmente já pediram algo...sem contar que a Rúbia ligou antes passando um cardápio especial do nosso jantar para eles, por conta da dieta do papai.
Aguenta só hoje vai, eu nem fazia idéia que vocês frequentavam aqui. Eu sei que você consegue. A gente nunca mais volta aqui, eu prometo.
Suspiro fundo. Eu realmente não queria entrar, mas Lelo tinha razão. Mudar todos os planos por um capricho meu era bobagem.
- Tudo bem Lelo, você tem razão. Se eu for evitar tudo que me lembra ele, eu paro de respirar.
Ele sorri.
- Por favor, não pare de respirar - ele me abraça e me aperta forte, enquanto nos encaminhamos para a entrada.
Entramos no restaurante e eu vejo meu pai, Rúbia e Ricardo na primeira mesa de frente para o palco. Observo em volta e vejo que o ambiente está diferente.
O palco está mais iluminado e decorado, e em volta de todas as paredes, grandes cortinas vermelhas estão estendidas, como se cobrissem algo. Nas mesas, vasinhos com flores do campo e toalhas brancas compunham um cenário mais clean, bem diferente das toalhas xadrez que sempre haviam estado lá nas nossas visitas ao lugar. As garçonetes e os garçons usavam uniformes mais chiques também.
O lugar definitivamente havia passado por uma reforma.
Vejo algumas pessoas mexendo nos aparelhos de som, enquanto andavam de lá para cá apressadas.
Cumprimento todos com um beijo e enfim me sento. Uma estranha sensação passava por todo o meu corpo, mas eu não sabia identificar o que era.
Ansiedade? Talvez fosse a viagem que eu faria dentro de algumas horas, mesmo não estando preparada. A cada minuto eu tinha menos certeza do que fazia, mas não podia dizer não para Nick na última hora. Ele estaria me esperando no aeroporto e coitado, estava muito animado com essas férias.
Nick era um bom amigo e se eu abrisse meu coração ao menos um pouquinho, ele poderia se tornar um companheiro incrível. Eu nunca amaria ele como eu amava... amo na verdade, o Petrus. Mas todos merecem uma chance, principalmente aqueles que querem estar ao nosso lado.
Talvez eu desse uma chance á ele durante esses dias.
Talvez.
Decido mudar o foco dos meus pensamentos e aproveitar essa noite em família. O lugar havia se tornado um dos meus preferidos desde que Petrus me levou lá pela primeira vez. Era simples, aconchegante e com boa comida.
Fora os pequenos shows de artistas locais ou as sessões de karaokê.
- Algum show em especial hoje? - desdobro o guardanapo diante do meu prato e pergunto, casualmente.
Marcello olha para meu pai, que olha para Rúbia, que devolve o olhar para Marcello.
Esse povo tá estranho sim. Eu ein?
- Não, nada em especial que eu saiba - Rúbia diz, forçando um sorriso. - Mas vamos pedir nossa comida? Não quero que fique tarde e a Ane ainda tem uma viagem á fazer... né Ane?
- Sim, é sim. Vamos pedir.
[...]
Depois de jantarmos e ficarmos ali batendo um papo descontraído, falando de amenidades e curtindo nosso momento em família, vejo as luzes do Rechaud baixarem um pouco e algumas pequenas lamparinas tomarem o ambiente, com suas luzes brancas. Em cima de cada mesa, um lustre rústico se acendeu e o local ficou lindo. Olhei para trás e vi todas as mesas ocupadas. Nunca vi esse lugar tão cheio. Talvez a reforma tenha atraído novas pessoas.
Que legal. Eu fiquei feliz pelos donos. Eles mereciam crescer, eram boas pessoas.
O rapaz que sempre arrumava o palco para o Karaokê estava lá como sempre, correndo de um lado para o outro, mas diferente das outras vezes, sua camisa não combina com a tolha de mesa. Ele estava elegante e bem vestido. Eu e
Petrus já estávamos acostumados com sua alegria e descontração e sempre que ele me via, pedia para que eu subisse e puxasse a plateia.
Tomara que hoje ele não faça isso. Eu não conseguiria sem Petrus aqui.
Ele colocou o microfone no pedestal e testou as luzes. Fez um sinal afirmativo com a cabeça e sorriu, saindo rápido do palco, deixando tudo
arrumado para quem subiria ali.
Acho que hoje não teríamos Karaokê; talvez fosse algum cantor da noite que embalaria os casais que estavam presentes.
Sorri fracamente ao pensar que eu já dancei com Petrus nesse mesmo lugar.
Aconchegada em seu peito, ouvindo músicas românticas e declarações ao pé do ouvido.
Certas lembranças são tão doloridas.
Sinto o familiar nó na garganta e me obrigo a pelo menos hoje não pensar nele e na falta que ele me faz.
Ele não havia pensado em mim nem um segundo antes de me deixar, então por que eu insistia em maltratar meu coração com isso a todo momento?
Enxugo o canto dos meus olhos com os dedos, abaixando a cabeça rapidamente para que minha família não visse aquele meu momento de pura fraqueza, mas fui obrigada a levantar meus olhos quando ouvi uma familiar voz.
- Boa noite senhores.
A voz que eu amava; o motivo de toda a minha dor. Ela não vinha da minha mesa, nem da mesa ao lado e muito menos de dentro da minha cabeça.
Ela vinha do palco.
Sem acreditar, olho para cima e o vejo lá, parado, olhando diretamente para mim. Ele estava com o mesmo blazer marrom e jeans simples, do nosso primeiro encontro.
A única coisa diferente nele eram os olhos: eles estavam tristes. Tristes de uma forma que eu nunca vi antes.
De qualquer forma, ele continuava como eu me lembrava... mais lindo do que se pode suportar.
Foram poucos dias longe dele, mas olhando para ele ali tão próximo, eu conseguiria dizer que foram meses, anos, décadas até.
Ele fixou seu olhar no meu, sustentando minha expressão assustada, buscando minha íris e provavelmente tentando descobrir o que se passava em minha cabeça enquanto minha família observava a tudo calada.
Ele tirou o microfone do pedestal onde ainda estava e se aproximou mais da ponta do palco. Olhou dentro dos meus olhos e sorriu, iluminando tudo a sua volta como de costume.
- Eu posso ter um minuto da atenção de vocês?

© 2018 Papo de Malícias & Delícias. Ponta Grossa PR
Desenvolvido por Webnode Cookies
Crie seu site grátis! Este site foi criado com Webnode. Crie um grátis para você também! Comece agora