#ANELISE – CAPÍTULO 75

04/08/2018

Acordei e Marcello e Rúbia já estavam de pé. Depois de chorar como uma louca, me debater e negar que tudo aquilo estava acontecendo, eu finalmente coloquei minha cabeça no lugar e aceitei. Eu namorei cinco anos com Guilherme e minha reação ao nosso término não foi nada parecida com a que tive ontem, mas eu também sabia que o que eu sentia por Petrus não era nada parecido.
Eu amava Petrus muito mais.
Um amor louco, doentio e repentino, que me tirava o ar e me fazia querer morrer a cada segundo que eu me lembrava que não o tinha mais.
Ainda hoje, depois de tudo o que havia acontecido, eu ainda o amava.
A casa estava diferente quando eu acordei e meu coração afundou no peito, me lembrando que agora eu era uma pessoa sozinha. Eu não sabia se estava diferente pela falta dos dois toques na porta do banheiro me avisando que a toalha estava na porta ou que eu estava atrasada como sempre, não sabia se a diferença residia na falta do cheiro de café inundando a casa ou porque não reclamei da televisão ligada logo cedo, sendo a companheira fiel da insônia de Petrus.
O barulho- ou falta dele- naquela manhã era desesperador. A casa gritava na minha cara, ainda que de uma forma muda que era verdade e não, eu não estava sonhando. Ele havia ido embora e pelo modo como saiu ontem, não voltaria mais.
- Como você está? - Lelo envolve seu enorme braço em meus ombros e beija o lado da minha cabeça, descansado sua boca ali.
-Não estou - eu rio fracamente, mas ele entende. Ele sabia que eu estava fora de órbita.
- Ane, vou para a casa por que preciso tomar um banho e trocar de roupa. O Lelo vai ficar com você e a noite eu volto, tudo bem?
- Não, eu vou embora também. Vou ficar na casa do papai até essa experiência louca que ele impôs á nós acabar. - percebo o espanto na cara dos dois e não entendo o por que - O que foi? Vocês estão achando que eu vou ficar aqui, esperando por ele?
- Não, não é isso... mas é que... - Rúbia começa e eu sei o que ela pensa.
Que eu o amava. Que eu devia lutar. Que eu e blábláblá.
- Ele me deixou, Rúbia! Ele me largou como um trapo velho - bato a mão na
testa, em um gesto bobo - Eu não vou ficar aqui esperando ele voltar como uma idiota. Como ele mesmo disse, nós somos capazes de superar.
- Você quem sabe - ela dá de ombros e vem em minha direção beijar minha testa, em um gesto de carinho.
- Exatamente Rúbia, ela quem sabe - Lelo olha para ela irritado - Pode ir, eu vou ficar com ela e depois levo suas coisas para a casa do papai.
Rúbia devolve o olhar para Lelo. Eu sabia que ali havia uma briga de opiniões, mas ainda não entendia exatamente o que era. Provavelmente depois que eu dormi, eles conversaram sobre minha situação.
Eu era mais uma vez a humilhada da família.
[...]
Depois que Rúbia se foi, Lelo e eu ficamos ali, sentados na cozinha conversando sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Pedi mentalmente perdão por todas as vezes que reclamei dele. O cara segurava minha barra mais do que era possível alguém segurar e é impossível não ama-lo ainda mais do que já amo.
- Tá difícil né? - ele me sorri triste e eu concordo com a cabeça.
- Não quero parecer fraca Lelo - eu rodo a xícara de café que ele fez para mim na mão, fazendo o liquido lá dentro se mexer - Eu sei que existem pessoas com problemas piores: doença, catástrofes... mas sabe, me parecia tão verdadeiro. Não é possível que eu me enganei tanto.
- Meu amor - Lelo entrelaça seus dedos nos meus, soltando sua própria xícara - Não meça sua vida pela dos outros. Só por que sua dor é diferente não quer dizer que ela não mereça atenção. Cada um reage com o que acontece em seu mundo. Não existe dor maior ou dor menor, existe dor apenas.
Sorrio para ele, e ele continua falando.
- E quanto a parecer verdadeiro Ane... para mim também sempre pareceu.
Não é possível que alguém finja um olhar daquele, cara. Tem alguma coisa errada ai.
Por mais que eu quisesse achar razões para aquilo, eu sabia que não havia.
Ele me deixou por que quis me deixar.
- Tem coisa errada sim. Tem eu Lelo! - bato a mão na mesa tentando fazer piada com a minha desgraça - Eu sou a toda errada! Toda família tem aquela pessoa problemática sabe? A fracassada, a que não se forma, a desajeitada, aquela pessoa que a vida adora fazer de joão bobo. Talvez seja eu a fracassada da nossa família, Lelo.
- Para...para, para, para. - ele se levanta e me puxa - Já tá falando merda. Vai tomar um banho rápido, junta o que você precisa e vamos embora daqui.
Preciso te tirar dessa ambiente antes que seu cérebro termine de derreter.
Dou uma risada fraca e vou em direção ao quarto, enquanto meu irmão me olha com piedade.
[...]
Recolho as chaves, coloco-as na bolsa e me viro, olhando para os lados na intenção de me certificar de que algo não tenha ficado para trás, além de claro, meu coração em pedaços. Meus olhos pousam no vestido e na lingerie que se encontravam ainda no quarto. Penso por alguns segundos e as recolho, em uma braçada só.
Passo pela sala, pego também o porta retrato quebrado com a nossa foto e o junto no meio das roupas que eu nem cheguei a usar.
- Pronta para ir? - Lelo me pergunta com as mãos nos bolsos e uma expressão preocupada no rosto.
- Prontississima - tento sorrir para ele, mas eu sei que ele sabe que não estou pronta para nada, apenas estou me obrigando a reagir.
Eu estava fazendo a minha parte. E se tem algo que ninguém pode fazer por você é exatamente isso: a sua parte.
- Ok, lá vamos nós.
Passo pela porta da sala direto e vou em direção ao latão de lixo que o caminhão da prefeitura ainda não havia recolhido. Abro-o com a ajuda do pedal e enfio desajeitadamente tudo lá dentro: vestido, lingerie e porta retrato.
Dou uma última olhada em nossas expressões felizes antes de finalmente fazer o que eu precisava fazer.
Bato com força a tampa e me viro para Lelo, que assistia a tudo com uma expressão aterrorizada.
- Vamos Lelo, a minha vida nessa casa acabou.


CAPÍTULO ESPECIAL - MARCELLO


Deixo Ane acomodada no quarto que era dela antigamente e desço as escadas apressado, pulando de dois em dois degraus. Eu sei que pode parecer loucura o que não sai da minha cabeça, mas eu preciso dar um jeito de descobrir.
Algo nessa história toda estava muito errado, mas eu não tinha a mínima idéia do que podia ser. Eu não conhecia detalhes suficientes da vida de Petrus ou de como a história entre ele e minha irmã se desenrolou, mas de uma coisa
eu tinha certeza.
Esse ferrado filho de uma mãe amava ela.
Então por que ele a deixou?
Eu nunca fui do tipo que se envolvia demais na vida das irmãs. Quando eu era mais novo, um instinto super-protetor vez por outra se apoderava de mim e eu colocava os pretendentes delas para correrem, mas depois de um tempo percebi que era inútil e do mesmo modo que os irmãos das minhas pretendentes não me assustavam, eu também não fazia grande trabalho botando os delas para correr. Acabei desistindo e aceitando - ainda que de mau grado - que caras com intenções iguais ou piores do que as minhas se aproximariam delas, vez ou outra.
Era a maldita lei da vida.
Passo pelo saguão principal da sala e vejo meu pai em um dos seus poucos momentos de distração - ele assistia á algo engraçado na tv e se curvava de rir, alheio a todo o caos que ameaçava acabar com a sanidade da sua filha
mais nova.
-Pai? - eu chamo relutante, pois apesar do assunto ser importante, eu quase nunca o via assim tão relaxado.
- Oh filhão, senta aqui comigo. Esse filme tá muito bom - seus olhos brilharam em minha direção, alegres e sorrateiros, como os de uma criança.
Por um minuto quase desisto do que quero fazer, mas não deixo me levar. A televisão não iria fugir correndo e ele poderia voltar pra ela quando me ajudasse a resolver o que era necessário.
- Pai, preciso falar com você.
-Claro, pode falar. - ele abaixa o volume, me olhando em seguida.
- Dá pra ser no escritório? Não quero que a Ane nos ouça - ele me olha mais interessado dessa vez e acredito que por fim veja o brilho de preocupação passando por minha íris.
- Ela está aqui? Petrus ainda não chegou de viagem? -ele pisca e desliga a tv enfim.
- É sobre isso que eu quero falar com você, vamos lá.
[...]
Observo sua reação esperando o choque, mas ele não vem. Ao invés disso, meu pai simplesmente me olha por alguns segundos sem resposta.
Eu sei que ele deve estar se sentindo enganado, e sei que a Ane me mataria quando soubesse que eu contei á ele, mas eu precisava fazer isso. Eu precisava pelo bem dela.
-Pai, fala alguma coisa. - eu digo por fim, com medo de que ele sufocasse com tudo que precisava dizer mas não conseguia.
- Marcello, olha para mim. Olha bem para o cara que te criou... - ele dá a volta na poltrona, chegando bem próximo á mim - Eu por acaso, tenho cara de idiota?
O que?
- Claro que não pai, que pergunta. - franzo o cenho e o observo em silêncio, enquanto sua expressão não muda nem um segundo sequer.
-ótimo, eu não tenho cara de idiota então. Isso nos leva á outra pergunta: eu por acaso já deixei vocês desprotegidos ou vulneráveis na vida, sem apoio ou suporte?
- Pai... eu não estou entendendo. - meu pai estava ficando senil? Ele era muito novo para isso, não era não?
- Só responde.
- Não Pai, nunca. Você sempre nos protegeu.
- E por fim, isso nos leva a última pergunta... Quando, alguma vez na vida, vocês conseguiram me esconder algo? - ele levanta uma sobrancelha e eu vejo um leve sorriso se erguer do canto de sua boca.
Paro por um segundo, tentando buscar na memória o que ele me pedia. Chego por fim á conclusão de que nunca, em nenhum momento me lembro de algo ter passado batido aos seus olhos.
O homem era uma águia.
Balanço a cabeça e rio, buscando os olhos divertidos dele com os meus.
- Marcello, se eu não tenho cara de idiota, se eu nunca deixei vocês desprotegidos e se nunca, em hipótese nenhuma vocês conseguiram me esconder algo, como você pode achar que eu não sabia disso? Você ofende minha inteligência.
E a águia, como vocês sabem, tudo vê de lá de cima.
- Quando você soube? - eu decido perguntar de uma vez, aquela história estava me deixando tonto demais.
- No momento que ela disse que estava morando com alguém, eu soube que era mentira. Deixei ela pensar que eu acreditei por que achei que ela acabaria me pedindo desculpa e dizendo que era tudo mentira. Achei que a gente ia fazer uma ou outra piada e depois isso seria esquecido. Mas no momento que ela chegou aqui com aquele rapaz, eu vi que ela tinha ido longe demais. - ele para em frente á sua mesinha de carvalho e abre o whisky, mas em seguida o fecha e desiste de beber.
- E você deixou ela fazer isso? Todo esse circo?- eu pergunto, dividido entre indignado e curioso.
- No momento em que eles saíram dessa casa no primeiro dia, eu coloquei as pessoas certas para descobrirem quem ele era. Ele mesmo me deu as informações que eu precisava, e nem foi preciso muito esforço. No meu meio, meu filho, é tão fácil descobrir o que quer. Quando ele me disse que tinha ligações com a PrimeStan, eu precisei de alguns telefonemas para descobrir que o Hector Domminic tinha um filho que abandonara os negócios e vivia de uma forma, digamos... diferente. Ele tinha dinheiro, mas se prostituía. Lógico que não é algo que todos saibam ou que sai nas manchetes de jornal, até porque a empresa se resguarda e ninguém é louco de manchar o nome de uma instituição assim, mas o assunto é algo que corre á boca pequena pelos corredores dos lugares. Informação que um funcionário passa para outro, que uma mulher passa para a outra... e assim vai. Mas nada muito grande a ponto de fazer alarde. Só descobre quem procura.
Eu fico extremamente irritado de repente. Minha irmã estava lá em cima com o coração estilhaçado e ele não fez um mínimo esforço para impedir. Ele poderia ter evitado tudo isso no mesmo dia que ela apareceu aqui com esse
cara.
- Pai, mas por que diabos você nunca contou isso a ninguém? - eu aponto o dedo para o andar de cima e digo entre dentes - Sua filha está com o coração destruído lá em cima e você não parece nem um pouco chateado com isso.
- Corações destruídos fazem parte da vida, Marcello! - ele finalmente grita,
como se quisesse me dar uma lição de pai - Mas nosso coração só é destruído quando algo que amamos de verdade se vai. DE VERDADE, entendeu? No momento que eu vi o modo como ele olhava para sua irmã e como ele a defendeu do meu ataque sobre dinheiro, eu soube que havia algo nascendo ali. E depois eu fui vendo dia após dia o modo como ele a tratava... o modo como se sentia a vontade conosco, como se fosse da família. Os princípios desse rapaz, Marcello.
- Ele deixou ela e nem olhou para trás! - eu grito, nervoso. - Eu vou matar ele, se você quer saber!
Vou em direção á mesa de carvalho em busca do whisky, mas lembro que Petrus sempre dizia que beber durante o dia não é um hábito saudável.
Desisto também e me viro para meu pai.
- Beber durante o dia não é um hábito muito saudável, não? - ele arqueia uma sobrancelha e ri para mim, como se lesse meus pensamentos. O cara modificou até nossas manias. - Você acredita mesmo que esse rapaz enganou sua irmã esse tempo todo Marcello?
Penso por alguns minutos e por mais que minha raiva grite em meus ouvidos me pedindo para matá-lo, eu sabia o que eu sentia dentro de mim.
O cara tinha se tornado meu melhor amigo e eu sabia que ele não mentia.
- Não pai, eu não acredito. Mas eu também não entendo o porquê ele fez isso.
- O que você e eu precisamos entender é que nós vimos sua irmã renascer, meu filho. Ela havia morrido quando sua mãe se foi e nunca, ninguém foi capaz de despertar nela o que ele despertou. Os bons sentimentos, o carinho pela família, o bom humor...Ela mudou até conosco e você sabe disso !
- Eu não queria me meter, mas é tão duro ver ela sofrer assim de novo. - passo as duas mãos no cabelo e quero gritar de tão irritado - Parece que eu tô revivendo os dias que se seguiram depois da morte da mamãe.
- Ás vezes, dar uma força em uma situação por quem a gente ama é necessário - ele pisca para mim e continua - A gente precisa pelo menos dizer que tentou filho. Talvez estejamos enganados e ele seja mesmo um cara muito safado, muito bom ator, mas eu duvido muito. Tem alguma coisa estranha nisso e a gente precisa descobrir. Ele a deixou por algum motivo, mas não por falta de amor. Ela não vê isso por que está cega pela humilhação de ser deixada, pelo ego, por tudo. Mas nós estamos vendo muito bem, e é nossa obrigação ser os olhos dela quando ela precisa.
Eu sabia que ele estava certo, mas eu precisava fazer a ultima pergunta antes de decidir qualquer coisa.
- Você não se importa dele ter sido garoto de programa pai?
- Não é a coisa que mais me agrada no mundo filho, eu não sou hipócrita...
Mas eu me importaria mais se ele fosse ladrão, desonesto ou ruim para sua irmã. Tem coisas muito piores do que se deitar com alguém por dinheiro, acredite no seu velho pai.
- Você sabe que isso pode arruinar a Schimdt Corp não? É um puta escândalo pai.
- Seria pior deixar isso arruinar a vida da minha filha, Marcello. Um dia você vai ser pai e vai saber que impérios você reconstrói, dinheiro você ganha e gasta, nome você perde por coisas bem menores que isso... mas quando você vê um filho infeliz, você daria tudo isso em troca de um único sorriso dele.
Sabe a sabedoria? Chegou no meu velho e parou.
Impossível dizer o quanto eu amava esse homem.
- E sem contar que é muita inocência de vocês acharem que com quem ele dormiu ou deixou de dormir vá abalar por completo a qualidade e a confiança que nossos produtos firmaram no mercado. Pode ser um escândalo, dar algumas manchetes, render alguns boatos, mas tudo passa meu filho. Os anos me fizeram entender enfim que tudo na vida passa!
Ele sorri satisfeito, por que ele sabe que me impressionou.
E passar boa impressão no caso dele, você sabe, é muito importante.
Dou um beijo em sua testa, ainda maravilhado com o pai que tenho.
Sem noção, sem senso de moda - porque ele não tirava esse robe dourado e roxo nem que pagassem ele - e sem papas na língua, mas incrivelmente sábio.
Eu havia aprendido em uma única conversa que certas coisas valem mais do que dinheiro ou boa reputação.
- Cuida da Ane para mim. Eu tô indo resolver essa história. Vou lá descobrir o que aconteceu e trazer o babaca do seu genro de volta.

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