#ANELISE – CAPÍTULO 6

01/07/2018

10:20 e nada dele aparecer. Jogo a bolinha para Apolo pela milionésima vez.
Meu braço já está dolorido e Thor e Diana estão deitados em meu pé, também cansados. Apolo sempre era o último a desistir. Se Petrus não aparecesse em 10 minutos, eu iria embora. Jogo a bolinha mais uma vez e vejo a X6 apontar na esquina. Tá de brincadeira né?
Ele desce do carro de shorts de correr azul, camisa branca e óculos escuros.
Sem falar nada, se senta ao meu lado e fica ali, alguns segundos olhando pros meus cães até resolver falar algo.
- Você me acordou ás 09:00 da madrugada. Que tipo de ser humano é você?
- ele bufa e joga o corpo pra trás, se encostando no banco de pedra do parque.
- E você veio de carro para um parque, que tipo de ser humano é você?
- Um ser humano sedentário. Preguiçoso - ele tira os óculos e me encara com aqueles enormes olhos azuis - e minha casa nem é tão perto assim.
- Quantas quadras? - eu pergunto, divertida.
- Isso realmente importa? - ele ergue a sobrancelha - Ok, 04 quadras. Mas eu realmente sou preguiçoso.
- E como você tem esse corpo? - oh, droga. Quando vi, já tinha falado.
- Então quer dizer que a princesinha reparou no meu corpo? - ele sorri irônico e quando eu abro a boca pra me defender, ele me interrompe - Eu malho. Não é a coisa que eu mais adoro fazer, mas eu preciso.
- Afinal é sua fonte de renda, não é? - eu e minha boca grande. Percebi que seu rosto se contorceu levemente, mas ele não deixou transparecer - Desculpa Petrus, não foi bem assim que eu planejei que saísse.
- Você não falou nenhuma mentira, tudo bem. Mas não é só o meu corpo, Anelise. Ele é só uma das coisas. Ninguém se interessa por um cara bonito mas tão burro quanto uma porta... eu tenho carisma, eu sei jogar pra conquistar, sei fazer a mais feia das mulheres se sentir a mais linda. Eu tenho o que nenhuma malhação do mundo pode dar. Por mais que eu soubesse que ele estava certo, eu nunca daria o braço a torcer.
- A única coisa que falta é modéstia. - eu falo e jogo a bolinha de novo.
- Eu não preciso disso na minha vida. Se eu sou o que eu sou, é porque eu construí isso. Pro bem ou pro mal, tudo que eu tenho eu devo a mim mesmo e a mais ninguém.
- Ok Petrus, mas agora vamos sair desse mundinho onde só cabe você e partir para o plano. A gente precisa se conhecer. Vamos hoje conversar sobre características de personalidade e algumas coisas mais básicas. Meu pai é muito atento á coisas assim.
- Certo. Você já sabe que eu sou preguiçoso, já é alguma coisa.
- E não é nada pontual também. - eu arrisco.
- Eu sou super pontual depois do almoço, mas eu realmente não funciono de manhã. Sem chance. E você? Me fala sobre sua personalidade.
- Bom, é difícil se descrever né? Mas eu sou teimosa... um pouco orgulhosa.
Tá bom, muito orgulhosa. Eu sou um espírito livre, amo viajar, conhecer novas culturas... Adoro fotografar tudo. E você, tem algum hobby? Esportes pelo que eu percebi não é um deles.
- Vídeo game serve? - ele cruza os braços e ri - Acho que cozinhar. Eu curto cozinhar.
Meu Deus, agora que eu lembrei do que havia dito á meu pai.
- Bom... Falando nisso, acho que você vai meio que surtar... - eu faço minha melhor cara de ooops e ele me olha confuso.
- Por quê?
- Eu disse á meu pai que meu marido era um chef...
- Um chef? Um chef de cozinha? Uma porra de um cozinheiro, Anelise?
Jura? Da onde que vem essa sua imaginação fértil? - ele faz tantas perguntas em uma só frase que eu me perco.
- Eu não sei mentir! Eu me embanano toda... Eu falo o que não devo, eu gaguejo... sei lá o que me deu pra falar isso pra ele. Mas eu falei e agora já era, você precisa ser um chef de cozinha até sábado.
- Ah, claro. Até porque é super fácil aprender a cozinhar assim, rápido - ele percebe minha cara de desespero e suspira. - Tá bom, tá bom... eu vou procurar um curso online, um presencial intensivo, sei lá. Mas vou tentar aprender pelo menos o basicão. E você vai pagar, que fique claro! A sua sorte é que eu gosto de cozinhar.
-Ai Petrus, obrigada! - me lanço nele e lhe agarro o pescoço em um abraço repentino e apertado. Não sei o que me deu, mas quando percebi já era tarde - Nossa, desculpa - levo ás duas mãos á boca - ...não sei o que me deu.
Visivelmente perturbado, ele balança a cabeça e sorri - Tudo bem, não precisa se desculpar. Você é sempre efusiva assim? - ele me pergunta, brincalhão. Sempre que essa névoa passava por seus olhos, ela não se demorava. O homem era uma muralha.
- Quase sempre, mas prometo me conter. - juro cruzando e beijando os dedos.
- Tudo bem, eu posso lidar com isso - ele se inclina pra frente e olha pra mim - Posso te pedir uma coisa?
- Claro, pode falar.
- Queria ver suas fotos; posso? - Isso me pegou de surpresa. Mostrar meu estúdio e meu trabalho para alguém é algo tão intimo pra mim. É como abrir o baú da minha alma... Minhas fotos retratam tão bem minhas emoções, dúvidas e certezas que é praticamente como me ver nua. E ele queria isso.
- Anelise? - eu estava tão absorta pensando naquilo que nem sei quanto tempo se passou - você está me ouvindo?
Ele ainda estava esperando uma resposta, mas sinceramente, eu não fazia idéia do que dizer. Pensei que isso era inevitável... Para ser meu marido de mentira, ele precisava conhecer minha intimidade. Eu estou na chuva, então preciso me molhar.
- Claro. Você quer ir quando lá?
- Agora, que tal? Não tenho nenhuma cliente pra antes do meio dia.
Porque isso sempre me fazia sentir uma pontada no coração? Eu não gostava de ouvi-lo dizer tão naturalmente como se vendia.
- Tudo bem, pode ser - eu me levanto e assovio. Apolo, Thor e Diana se levantam no primeiro comando - Eu vou na frente e você me segue com o carro. É perto daqui.
- Vamos no meu carro, Anelise. É mais fácil. - ele aponta a nada modesta X6 parada no meio fio. Ele realmente ganhava muito dinheiro.
- Mas eu estou com os cachorros Petrus. Não sei se você é do tipo que gosta de pelos no banco de trás e cheiro de cachorro no seu carro importado.
- É, você precisa realmente me conhecer. Eu adoro cachorro, Anelise. O carro é grande e se por um acaso eles soltarem pelos, eu mando lavar os bancos.
Simples. Agora arrasta essa bunda pra cá e vamos logo.
Eu ri e chamei os cachorros pra junto de mim. Me aproximei e ele abriu a porta de trás, pra eles entrarem. Com um assovio, os três pularam e se ajeitaram, só nos esperando.
- Eles são lindos. Quantos anos cada um? - ele me pergunta colocando o óculos e passando o cinto.
- 4 anos, os três. São irmãos, ganhei do meu pai. Ganhei numa fase nada fácil da minha vida.
- Ah é? O que tinha acontecido? - ele pergunta naturalmente, e sai com o carro, distraído com o retrovisor.
- Eu tinha terminado o meu noivado. - eu engulo em seco pra responder essa.
- Sério? Poxa, sinto muito. Depois dele, você namorou mais alguém? - ele realmente estava levando á serio essa historia de me conhecer bem. Não tinha pudor nenhum em me perguntar nada.
- Hmmm, não na verdade. Nossas famílias são amigas... ficamos 5 anos juntos até o dia que ele resolveu me contar que estava apaixonado por uma colega de classe, da universidade. Pelo menos ele foi sincero, eu acho. - eu sorrio triste olhando pela janela e acho que ele percebe.
- Torço para que ele tenha engordado 30 quilos e eles tenham se separado porque a mulher o traiu com um cara gostoso como eu. Acertei?
Eu não agüento e dou risada.
- Quase. Eles vivem em uma linda beach house na Califórnia onde os dois têm um consultório famosíssimo e três filhinhos loiros e lindíssimos. Sabe como é, a vida é dura. Nossas famílias são muito amigas, é difícil não ter notícias deles.
- Então ele também tem notícias suas?
- Acredito que tenha, mas não há muito o que saber não é? Moro sozinha com 3 cachorros e tenho um estúdio. Minha vida não é lá uma montanha russa de emoções, Petrus.
Ele me olha com aquele olhar. Aquele olhar que eu odeio. Aquele olhar que eu recebi a vida toda por ser a filha adotada, a bastarda, a rejeitada pelos pais verdadeiros. Eu sei que ele está com pena, mas não consigo ser grosseira e pedir pra ele cuidar da vida dele, principalmente quando ele passa a mão no meu cabelo e diz rindo:
- Tudo bem, agora ele terá noticias nossas. Você tem um marido grego, gato, rico e que de quebra é chef de cozinha.

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