#ANELISE – CAPÍTULO 45

14/07/2018

As palavras ainda passavam pela minha mente, indo e voltando, como se quisessem me lembrar de como, apesar de tudo, minha vida havia sido boa até aqui. Eu fui rejeitada pelos meus verdadeiros pais, mas pelo menos eles me deram para a adoção ao invés de fazer da minha vida um inferno como foi a de Petrus. Eu sabia que havia pessoas assim no mundo; tantos casos vemos na TV, nos jornais... mas conviver com isso, saber que alguém que você ama já passou por tanta coisa terrível era demais. Me doía pensar quantas noites ele sentiu medo, dor... mas talvez a violência física não seja pior do que o ódio que ele via nos olhos da pessoa que supostamente devia amá-lo, afinal, ele não tinha culpa de não ser filho legitimo.
- Era exatamente isso que eu queria evitar - Petrus se aproxima de mim com um sorriso torto, talvez triste. Depois se senta de frente comigo, apoiando os cotovelos nas pernas.
- Isso o que? - eu tento disfarçar, mesmo sabendo que não funcionaria. Ele conhecia minhas reações.
- Esse olhar perdido, essa expressão de pena - ele enrosca seus longos dedos nos meus - Aposto que você tá pensando em como eu fui uma criança sofrida, em quanta dor eu senti... Ane, eu já te disse que isso ficou pra trás.
Eu só te contei por que essa era a única parte da minha vida que você não conhecia, mas por favor, deixa isso pra trás como eu já fiz.
- Não sei o que pensar, Petrus. Eu acho que cresci em uma bolha. Pensava que eu tinha problemas, mas olhando o que você viveu...eu sei que foi muito mais do que você me contou, só que eu não quero saber mais. O que eu tive
já foi suficiente.
- Amor... eu tive a oportunidade de refazer a minha vida. Muitas pessoas passam pelo mesmo e não tem. Por muitos anos eu pensei como você, mas depois eu entendi finalmente que eu tinha sido a vitima. Eu não tive culpa, e
por não ter culpa, eu não poderia prolongar isso. Eu fui vitima mas não poderia viver como vitima para sempre. Tem aquela conhecida frase de que " o tempo muda tudo". Mentira! Amor, o tempo...o tempo em si não muda nada, absolutamente nada em nossas vidas. Nós mudamos. Nós mudamos quando fazemos coisas para mudar, do contrário tudo continua igual, entende?
- Entendo amor. Acho que entendo - eu não me conformava com o autocontrole dele para falar disso - Mas e o ódio que você sente por ele?
- Ele me colocou no fundo do poço, sabe? Me fez pensar por anos que eu não era nada além de um bastardo, de uma desonra...que eu vivia sob o teto dele de favor. Mas eu entendi que eu precisava sair desse lugar que ele me colocou contra minha vontade. Levou muito tempo, porque é algo inconsciente; a gente se defende com agressividade das pessoas, vive com o pé atrás em relacionamentos. Quando as pessoas são prejudicadas, elas tendem a fazer escolhas erradas. Foi por isso que eu virei um garoto de programa. Era minha desculpa para não construir nada duradouro com ninguém.
- E o que te fez mudar de idéia? - eu pergunto. Eu realmente precisava saber o que eu tinha de tão diferente para fazê-lo abrir o coração.
- Você me tratou diferente. Apesar de ter me contratado para esse plano sem pé nem cabeça, você nunca me tratou como um objeto ou uma mercadoria.
Você se importou com meus sentimentos, meus problemas... Não sei explicar, mas eu entendi quando te conheci que eu posso ser alguém tão bom quanto você pensa que eu sou.
- Você é - eu me inclino e beijo ele profundamente - Nós vamos deixar tudo isso para trás, eu prometo.
- Deus tarda mas não falha - um enorme sorriso aparece em seu rosto.
- Não sei se eu acredito em Deus - solto casualmente - Eu já vi tanta coisa errada no mundo.
- Não acredita? E eu achando que eu era o todo errado aqui - ele ri - Eu também já vi coisas terríveis, mas amor... sem trevas não existe luz. Para reconhecer a importância do doce, a gente precisa experimentar o amargo, entende? Apesar de eu ter construído minha vida em cima de decisões erradas, eu sempre soube que um ser maior me protegia; acho que Ele nos ama incondicionalmente. O amor dele independe dos nossos erros. Eu te afirmo que Deus existe.
A última prova que Ele me deu disso foi ter feito eu te conhecer.
[...]
Bom dia, Cristina! - passo por trás da senhorinha lustrando as cerâmicas da sala e estalo um beijo em sua bochecha - Meu pai está?
Ela se vira sorridente enquanto eu bato minhas longas botas de cano alto pelo chão do corredor.
- Bom dia, Dona Anelise! Ele está sim - ela responde vendo eu me afastar - Tá feliz é?
-Mais do que feliz, Cristina! Muito mais! -digo enquanto me afasto, dirigindo-me ao escritório do meu pai. Dou dois toques na porta enquanto espero ele me chamar para entrar.
- Ane? - ele se vira em sua grande cadeira de couro e baixa os óculos para me observar melhor, depositando o livro que está em suas mãos em cima da mesa - O que está fazendo tão cedo aqui, meu doce? Hoje é sábado, você
deveria estar descansando da sua primeira semana de trabalho.
Sem responder, caminho em direção á ele e sento em seu colo. Envolvo meus braços ao redor do seu pescoço, beijando sua bochecha e depois aconchegando meu rosto no vão do seu ombro. Aperto ele forte em meus braços, como se eu quisesse demonstrar de uma única vez todo o amor que eu sempre me esquivei de dar.
- Meu amor, o que houve? - ele acaricia meus cachos, devolvendo o abraço - está tudo bem com você?
Sorrio. Meu pai era a minha proteção. Depois de saber tudo que Petrus passou, eu precisava ver meu pai e agradecer por ele simplesmente existir.
- Está tudo bem sim, paizinho - me inclino e beijo de novo sua bochecha, fazendo um carinho quase infantil nele, como quando era criança - Só vim aqui para te dizer que eu te amo tanto, mas tanto... que você é o melhor pai do universo e que apesar de eu não ter seu sangue, eu não queria ser filha de mais ninguém.
- Oh minha princesa - vejo seus olhos marejarem e enxugo suas lágrimas tímidas com as costas dos dedos - É tão bom ouvir isso de você. Eu não me arrependo nem por um segundo de ter te escolhido como minha filha. Você foi a escolha do meu coração.
- Desculpa por nunca ter te falado essas coisas, papai. Reconheço que eu fui egoísta muitas vezes, mas eu te amo, mesmo sendo desse meu jeito meio torto.Não duvide nunca disso. - enlaço ele mais uma vez em meu abraço.
- Para com isso - ele bate em minha perna - O importante é que você disse.
Foi a melhor coisa que eu ouvi em anos, meu anjo. Quer aproveitar que já está aqui e almoçar com o papai?
- Claro que quero! Podemos tomar aquele sorvete de flocos depois?
- Tudo o que minha princesa quiser...

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