#ANELISE- CAPÍTULO 3

28/06/2018

Confesso que eu estava nervosa. Eu sei, eu não ia encontrar o amor da minha vida e nem ninguém com quem eu ia me relacionar de verdade, mas era uma situação complicada á se resolver e bem, o cara era um gato! Bom, pelo menos pela foto parecia muito bonito. Eu precisava estar bem, isso é questão de ego, não de interesse. Até porque se eu quisesse algo com ele era só ter um cartão de crédito e algum limite disponível.
Escolho cuidadosamente um vestido na altura dos joelhos, vermelho. Arrumo meu cabelo em um coque, mas desisto e os solto. Ele sempre parece melhor sendo a bagunça que originalmente é. Arrumá-lo é perda de tempo... solto os cachos e eles caem em volta do meu rosto, tocando a altura do ombro. Coloco uma maquiagem discreta e brincos no mesmo sentido. Nada de colar, apenas um anel que ganhei de meu pai quando fiz dezoito anos. Queria passar pra ele uma atitude sóbria, que diz: "Não estou te contratando para uma noite de sexo" e que ao mesmo tempo dissesse "olha para mim, você acha que eu preciso disso? Sou bonita e rica". Ao terminar a composição, me olho no espelho e gosto do que vejo.
Ao sair, vejo meus três peludos parados na porta. Beijo o topo da cabeça de cada um e saio para meu encontro.
"Me desejem sorte"
Talvez eu resolvesse meu destino em uma única noite.
**
Entrego a chave do meu carro na mão do manobrista e me dirijo á entrada do restaurante. As luzes do lugar iluminam quase toda a ruazinha e os pinheiros em frente á grande porta de madeira aberta dão um ar sofisticado ao local.
Pelas grandes janelas de vidro que dão para a rua, consigo ver que o restaurante está cheio e os borburinhos das conversas animadas ecoam logo da entrada. Passo pelo segurança e sinto o cheiro do lugar invadir meus pulmões. Uma mistura de perfumes caros com temperos finos me envolve e eu suspiro. Adoro esse lugar. Na verdade, esse é o lugar do meu pai. Todas as vezes que ele vem á cidade me ver, almoçamos aqui. Tudo é comemorado aqui; é nosso lugar de pai e filha. No meu aniversário religiosamente todos os anos ele vem pra cá e pede depois do almoço o bolo de chocolate trufado com baunilha e morango para eu me esbaldar, e em seguida retira do bolso meu presente. É um ritual desde que mamãe se foi e ele faz isso com cada um de nós, em diferentes lugares. Por um momento, me sinto uma traidora. Estou bolando um plano para enganar meu pai no lugar que é dedicado á nós.
Balanço minha cabeça e avanço restaurante á dentro. Não vou me permitir sentir culpada, afinal, foi ele que pediu isso. Eu não quero essa presidência e me fazer disputar ela é a maior estupidez do mundo. Ele atacou, estou só defendendo. A arte da guerra quem me ensinou foi ele mesmo.
Chego até o maitre que me dirige um sorriso intimo. Nós nos conhecemos há um tempo e é sempre bom revê-lo. Extremamente discreto e simpático, trabalha nesse lugar há anos.
- Senhorita Anelise, que surpresa! Pelo que me lembro, hoje não é dia de bolo de chocolate, é? Ou seria e minha memória está tão ruim assim?
- Não, não mesmo Enrico. Vim encontrar um... hã..amigo hoje.
- Ah sim, claro Senhorita. Vou levá-la até sua mesa.
Ele me indica o caminho com a mão e eu o sigo.
- Obrigada.
Escolhi uma mesa no canto do restaurante, bem distante e reservado, perto do aquário. Me sento enquanto Enrico ajeita minha cadeira.
- Enrico, vai chegar um rapaz me procurando. Só encaminhá-lo até aqui, ok?
- Claro senhorita. Como é o nome dele, por favor?
PUTA QUE PARIU. EU NÃO PERGUNTEI O NOME DELE.
Não perco a pose e me finjo ofendida.
- Hmm, ele perguntará por mim Enrico. É só isso, obrigada.
- Claro, desculpe a indiscrição, senhorita. Quer uma água, um vinho...
Qualquer coisa enquanto aguarda?
- Hm, uma água então.
Mexo no meu celular enquanto espero. Ainda faltam 15 minutos para o horário combinado... Eu e minha mania de chegar sempre mais cedo. Ouço o barulho de mensagem e vejo que é de Rúbia.
*Já decidiu o que vai fazer?
Suspiro e sei que não há nada certo, mas preciso tranqüilizar minha irmã. Ela é um poço de ansiedade e enquanto não souber que tudo ficará bem, tanto para mim quanto para meu pai eu sei que ela não vai sossegar.
*Estou me virando. Sábado chegarei aí com meu marido.
Dois segundos e ela responde.
*Você é louca! Por favor, por favor, não se meta em uma roubada. Te amo.
Eu sabia que era loucura. Sabia mesmo. Mas era a minha única opção, então tentei não pensar muito sobre isso e só seguir em frente com o plano.
Enquanto rio ao ler a ultima mensagem de Rúbia, ouço Enrico me chamando.
- Senhorita, seu hm... amigo chegou. - levanto meus olhos do celular e caramba! O cara era mais bonito ainda pessoalmente. Não, a palavra "bonito"
não se encaixava. O cara era sensacional... Deslumbrante só começa a descrever. Me senti de repente um nada perto dele.
- Obrigada Enrico. - eu consigo dizer depois de anos de admiração descarada. Meu estômago se contorceu de repente, formando um nó. Minha pulsação acelerou e eu nem sei por que.
Enrico se afasta e eu me levanto para cumprimentá-lo.
-Humm, prazer. - estico minha mão em sua direção mas ele me puxa para um suave beijo no rosto.
- Prazer é todo meu... Anelise, certo? - Por causa dos óculos escuros na foto eu não consegui ver, mas ele tinha profundos olhos azuis, expressivos, intensos. Cílios grandes emolduravam as duas órbitas cor do céu e o cabelo era liso e preto. Corte simples, mas encaixava perfeitamente em seu rosto. O nariz era perfeito e o maxilar era quadrado, muito masculino. Uma boca reta arrematava o rosto liso, com uma barba ralinha. Um metro e noventa, eu acho.
Senhor, de que paraíso esse homem saiu?
Ele também era discreto no agir e no vestir. Extremamente sóbrio em uma calça jeans de lavagem simples, uma camisa clara de uma marca incrivelmente cara com um blazer marrom por cima davam um ar muito distinto á ele.
Eu nunca desconfiaria.
Percebi que ele ainda estava ali de pé, esperando minha resposta e provavelmente um convite para se sentar.
- Isso, Anelise - respondi por fim - Nossa, desculpa. Nem te convidei pra sentar. Por favor, que grosseria a minha - indico a cadeira em frente a mim com a mão.
- Sem problemas, Ane. - ele me disse ao se sentar. Sua boca se curvou em um sorriso de canto, criando duas covinhas perfeitas.
- Desculpa, você me chamou do que? -eu me pego surpresa com a forma intima com que ele me trata. Enquanto ele tira o blazer, se vira para mim e responde na maior naturalidade:
- Ane... algum problema te chamar assim? Eu gosto de chamar minhas clientes de um modo mais intimo, não sabia que te incomodava, desculpe.
- Não incomoda, na verdade - me surpreendo ao falar. Só minha família me chama assim - Mas é que não sou uma cliente.
- Hmm, não é? Para que você me chamou aqui então? - ele me olha confuso enquanto chama o garçom com o braço. Droga, sem o blazer dava para ver como ele era definido. Ombros largos, nada exagerado, mas tudo exatamente
em seu lugar. Claro - eu faço uma cara de idiota para mim mesma - é assim que ele ganha a vida, sendo bonito, gostoso e sexy. Não que eu achasse isso, de forma alguma.
- Quer dizer, eu seria um tipo de cliente... Mas não o tipo de cliente habitual, entende?
Ele me olha confuso e responde, sem rodeios: - Não, não entendo.
- Olha ... - e nesse momento me toco de que ainda não sei o nome dele - Nossa, eu ainda não sei seu nome!
Ele sorri como quem passa por isso todos os dias.
- Petrus. Meu nome é Petrus.
- Olha, isso não vai funcionar. Eu preciso do seu nome verdadeiro, não do seu nome de guerra - faço aspas no ar e ele me olha com cara de piedade.
- Não é meu - ele também faz as aspas no ar, mas com uma expressão de debilidade no rosto, um sinal claro de que me acha uma idiota - nome de guerra, Anelise. É meu nome, apenas. Petrus é meu nome.
- Ele é bem diferente - eu assinto.
Ele ri e acho que está tudo bem.
- Sou grego. Nasci em Atenas e quando eu tinha quatro anos, meus pais vieram para o Brasil. Meu pai veio trabalhar em uma multinacional grega que estava iniciando no Brasil para abrir o caminho, sabe? Mas o país os conquistou e cá estamos.
Não bastava ser um Deus. Tinha que ser grego. Que piada pronta.
- Entendo. Bom... Vamos parar de enrolação, não é? Vou te dizer qual o serviço que eu preciso.
- ótimo, me diga então. - ele apóia o cotovelo na mesa e segura seu queixo com uma mão, esperando que eu comece. Por um segundo, quase perco a linha de raciocínio. Se eu fosse conviver com ele, uma das coisas que eu precisava tratar era desviar meu foco da beleza literalmente grega dele.
- Eu preciso de um marido, é isso.
Primeiro, eu assisto ele engasgar com a água que havia pedido. Logo em seguida ele se torna azul, roxo, amarelo... E por fim, quando ele recuperou o fôlego, o ouço perguntar:
- Desculpa, você precisa DO QUE?
- Um marido. Isso mesmo que você ouviu, um marido - vejo sua expressão de confusa tornar-se assustada. Meu Deus, era tão odiosa a idéia de se casar comigo? Me senti levemente ofendida.
- Olha, eu acho que você entendeu errado o que eu faço...
- Não entendi não. Vou te explicar - abaixo o tom da voz e me inclino sobre a mesa, chegando perto de seu rosto. Ele se inclina em minha direção para ouvir, curioso, e nossos rostos ficam muito perto, quase encostados. Discorro rapidamente do meu plano, explicando os motivos de estar fazendo aquilo e vejo sua expressão se tornar divertida.
- Você é louca - sinto seu hálito de hortelã em meu rosto e então ele volta a sua posição normal na mesa - Não, pra você ser considerada só louca, você precisa passar por um forte tratamento antes.
- Mas Petrus! - eu me desespero -Você tem o perfil perfeito para isso. É discreto, se veste bem, fala bem. É bonito. Você tem tantas qualidades que eu nem sei porque você virou puto.
Ouço uma gargalhada do outro lado da mesa. As outras mesas olham para a nossa, um sinal claro de que queriam silêncio.
- Puto? Acho que essa palavra nem é usada na minha profissão - ele se inclina de novo pra mim, colando o rosto no meu - Eu disse que você era doida, mas eu não disse que eu era normal. Estou dentro.

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