#ANELISE – CAPÍTULO 23

06/07/2018

Foi quase impossível dormir depois do que aconteceu ontem á noite. Eu esperei tanto tempo, imaginando como seria seu toque e quando finalmente o consegui, ele simplesmente se foi. Ele não me quis. O que será que eu tinha de tão errado? Ele me disse que eu o deixava doido, que era a mulher que ele mais desejava, mas aquilo soou mais como uma desculpa do que a verdade mesmo. Parece que cada centímetro de mim que ele tocou ontem ainda estava ardendo. Eu carregaria a suavidade de sua mão em mim por meses, se duvidar anos. A gente não foi além de uns simples amassos, mas ainda assim foi mil vezes melhor do que qualquer noite que eu já tive com outra pessoa.
Eu me detestava por isso.
Me detestava por ainda querer ele aqui.
Com vergonha de me levantar e ter que encará-lo, adiei o encontro e resolvi ficar um pouco mais na cama. Rolei para os lados diversas vezes, me cobri e descobri mais vezes do que eu podia contar até que finalmente ouvi um toque na porta.
"Ane, posso entrar?"
Me mantive em silêncio por um instante.
"Por favor, fala comigo" Oh meu Deus, o que eu faço? Porque ele mexia tanto com meus nervos?
-Entra - decidi dizer depois de alguns segundos. Eu ainda teria que conviver com ele dia após dia pelos próximos dois meses, então seria inútil de qualquer forma ignorá-lo.
Observei ele empurrar a porta com os ombros enquanto entrava segurando uma bandeja de café da manhã. Senti o aroma de café fresco invadir o quarto.
Ele se sentou ao pé da cama, depositando a bandeja cuidadosamente em meu colo, depois que me ajeitei. Não falou nada, só me entregou e sorriu. Tinha café, leite, algumas torradas com geléia e uma margarida ao lado. Peguei a margarida amarela, cuidadosamente. Ela parecia meio murcha, mas ainda sim era linda.
-Desculpa - ele sorriu - Eu apanhei ela hoje cedo no quintal da nossa vizinha.
Era a única e como você demorou para acordar, ela ficou assim meio amarrotada para combinar com a minha cara de quem não dormiu á noite.
Não consegui conter o sorriso. Ele tinha o dom de me fazer esquecer qualquer merda relacionada a ele. Cada dia que passava eu tinha mais certeza de que eu estava me apaixonando perdidamente por ele. Perdidamente é a palavra certa, visto que ele era um caso sem solução para mim.
-Tudo bem, ela é linda de qualquer forma - seus olhos brilharam quando ele entendeu que eu estava falando não só da margarida, mas da cara dele também. Ele percebeu que minha raiva estava passando e sua boca se torceu em um maravilhoso meio sorriso. Por favor, por favor não faça isso.
Eu amo essa droga de meio sorriso!
Se acalma coração, senão você vai explodir.
- Me perdoa, Ane. Eu fui um idiota como normalmente eu sou, então nem sei porque me surpreendo ainda. Mas eu te devo desculpas, eu descontei minhas frustrações em você. Tanto as frustrações familiares quanto as sexuais - ele ri e eu não aguento; dou risada também e pego o café. Ele estava sendo sincero, concluí. De um jeito bem torto, mas provavelmente do jeito que ele sabia ser, então bastava.
-Tudo bem, até que seu beijo é bom - bebo e me finjo de desinteressada. Não fazia sentido brigar com ele por algo que eu correspondi também. Éramos adultos, supõe-se que deveríamos saber agir como tais.
Ele suspira de alivio.
-Estamos bem então? -seu olhar de esperança quebra qualquer duvida que ainda restava sobre perdoá-lo.
-Claro. Eu não resisto ao seu café - falo rindo - Continue me comprando com comida e continuaremos bem.
-Ótimo, porque hoje eu vou te levar pra jantar fora.
[...]
Petrus me levou a um lugar que eu nunca havia ido. Era um restaurante bem simples chamado Rechaud, então ninguém do meu meio nunca sequer cogitou a possibilidade de passar lá na frente, mas eu gostei muito. Era arrumadinho, um estilo meio rustico com mesas de madeira e toalhas de pano xadrez... estava localizado em uma das praias da cidade, quase á beira-mar.
Escolhemos uma mesa bem nos fundos e nos sentamos. Ao fundo tocava Norah Jones e eu quase me senti em um bar do Texas, que eu fui com meus irmãos no ano passado, nas férias. Uma garçonete nos atendeu e bem, o que era de se esperar aconteceu: ela quase derreteu bem ali na minha frente ao atender Petrus, mas eu já estava acostumando. Isso acontecia com a caixa do mercado, a moça da lavanderia, a vizinha da frente e bem, comigo também.
Ninguém que usasse calcinhas (e em alguns casos cueca) era imune.
-Hmm,o que você vai querer? - eu pergunto enquanto analiso as possibilidades no cardápio.
-Não sei. O que você vai querer? - ele me olha por cima do cardápio e me devolve a pergunta - Vou te acompanhar.
-Vou fazer diferente hoje. Nada de pratos chiques Petrus - dou um enorme sorriso quando penso no meu pedido - Quero um hambúrguer com o dobro de queijo cheddar por favor. Uma coca cola, uma porção dessas batatas com bacon e molho de alho e hmmm, depois eu peço a sobremesa.
A garçonete me olha espantada e depois se vira para Petrus com cara de "como você sai com essa ogra?". Eu sou magra meu bem! Genética da minha verdadeira família, eu sempre penso. Seja lá quem eles forem, me deixaram algo bom.
-Você estava amarrada? Quem te ouve pedindo tudo isso vai achar que eu estou te deixando passar fome. -ele ri e pede apenas um hambúrguer de frango e um suco de laranja.
A garçonete sai com um ar e um sorrisinho torto de "depois que você se cansar disso, me liga" Atrevida.
-Bem, você está mesmo - sorrio maliciosamente e ele sabe do que eu estou falando. Não tem nada a ver com comida.
-Ane, tá sendo difícil para mim também, você não faz idéia do quanto - ele passa as duas mãos pelo cabelo e suspira - Mas hoje eu só quero me divertir com você. Esquecer da nossa vida lá fora, de todo esse plano louco que a gente se meteu, das nossas famílias, de tudo. Pode ser?
Eu entendo ele e obviamente concordo. Quem eu era para pressioná-lo?
- Eu estava falando de comida, não seja assim vai - sorrio vendo minha coca chegar. Coloco o canudo na lata e puxo uma quantidade grande do liquido, fazendo meus dentes trincarem - Gelado, gelado !! Ai meus dentes, caramba !
-Adoro seu mau humor, menina rica. - ele pega minha mão que está em cima da mesa e acaricia. Eu deixo porque gosto dos toques dele. Se eu não podia ter tudo, teria ao menos aquilo. Enquanto sinto seus dedos acariciarem as linhas da minha mão, decido mudar o rumo da conversa e perguntar algo que eu queria saber há um bom tempo.
-Petrus, antes de bem...você fazer o que faz, você tinha o sonho de ser algo diferente?
Ele pensa um pouco antes de responder, mas por fim me conta.
-Não digo sonho, porque eu era muito novo quando comecei com isso...mas lógico que pensava em ser coisas diferentes Ane. Ninguém acorda um belo dia e pensa: Hmm, acho que vou virar garoto de programa, só pra variar.
Uma coisa leva á outra, e quando você vê, já está vivendo assim e o pior; já está acostumado.
- E o que você pensava em ser? -ignoro o fato dele dizer que está acostumado.
-Eu adorava desenhar. Descobri sem querer, um dia que desenhei um retrato da minha casa com carvão no quintal. Depois disso, eu sempre fazia um desenho aqui e outro ali. Até ganhei um concurso cultural uma vez e um quadro meu foi para fora do Brasil, mas depois deixei de lado. Meu pai dizia que isso nunca me traria dinheiro. Bom, mesmo que ele odeie o que eu faço, ele tem que admitir que eu ganho mais dinheiro que muita gente por ai. O sonho dele se realizou - ele revira os olhos em sinal de sarcasmo.
Seu sorriso fraco permanece alguns segundos em sua boca até que ele pega o guardanapo que está na minha frente.
-Tem alguma caneta na bolsa?
-Tenho, deixa eu pegar - reviro minha bolsa até que acho a caneta perdida em um dos compartimentos - Aqui, é preta.
Ele começa a rabiscar o guardanapo e toda vez que eu tento erguer a cabeça para ver o desenho, ele tampa com a mão.
-Não seja curiosa. Quando eu terminar, te mostro.
Enquanto ele desenhava, conversamos sobre o plano do meu pai. Eu começaria a trabalhar na empresa na segunda-feira e estava meio que pirando com isso. Ele pediu para eu ter calma, que tudo se ajeitaria. Segundo ele, com minha competência e capacidade eu tiraria de letra tudo aquilo e me sairia muito bem.
-Pronto, aqui - ele olha para o desenho e depois empurra o guardanapo em minha direção - Não estou nos meus melhores dias, mas até que ficou legal.
Olhei para o guardanapo embasbacada. Palavras me faltaram. Era lindo! Ele havia desenhado um fundo onde se via o por do sol, algumas arvores e um lago. Á frente havia um rosto pela metade, como se fosse uma foto tirada ao estilo selfie. As linhas do rosto foram perfeitamente desenhadas, o sombreamento do fundo. O desenho parecia ter vida. Se ele conseguia fazer aquilo com um guardanapo e uma caneta, imagina o que não faria com os materiais certos. A moça do desenho sorria timidamente, com algumas mexas de cabelo no rosto.
Percebi encantada que a moça do desenho era eu.
-Petrus...é lindo. Eu amei - olhei para ele e apertei o guardanapo junto ao peito - Posso guardar para mim?
-Claro, eu fiz para você. Só não é um dos meus melhores trabalhos porque eu fiz rápido, mas fiz com amor. - ele me deu uma piscadinha que eu não consegui interpretar. Aliás, eu consegui, porém preferi dizer ao meu coração para parar de ser otário.
Ficamos ali conversando enquanto a comida não vinha, até que um rapaz loiro vestindo um jeans tipo caubói e uma camisa xadrez que parecia ser feita do mesmo pano da toalha da mesa subiu ao palco parcamente montado com madeiras. Ele anunciou que o Karaokê estava aberto e que deveríamos pagar as fichas no caixa. Olhei para Petrus.
Karaokê?
-Ah vamos lá Ane! Eu desenhei para você, canta pra mim vai ! - ele bateu com as mãos na mesa imitando um tambor, animado.
-Foi de proposito que você me trouxe aqui, não foi? - pergunto me lembrando do dia que cantei Ovelha Negra para ele em minha casa e ele elogiou. Depois daquilo, qualquer oportunidade de me ver cantando, ele aproveitava.
-Claro que foi! Vou lá pegar fichas para você - ele levanta feliz e não tem como contrariar um sorriso daquele, então só concordo.
Enquanto ele foi buscar as fichas, um rapaz se aproximou da nossa mesa e tentou puxar papo com uma cantada barata. Vi Petrus se aproximando, mas não me alarmei. Não tínhamos nada, não havia o que reclamar afinal.
Ele passou pelo cara lançando um olhar mortal e se apoiou em minha cadeira, dando um beijo no meu pescoço.
-Esse cara tá te incomodando, amor?
Não respondi. Eu ainda estava tentando entender o que estava acontecendo e o porque daquele beijo.
-Desculpa - o rapaz tentou se explicar - Não sabiam que estavam juntos.
-Ela é minha noiva, então agora que você já sabe, dá o fora - Petrus o encara com as duas mãos no bolso e o rapaz sai rápido de perto de nós.
Aquilo tinha acontecido mesmo ou foi fruto da minha imaginação mais do que fértil?
-O que foi isso ? - pergunto brava a ele. Eu tinha adorado, mas ele não era meu noivo de verdade, não conseguia entender o ataque de pelancas repentino.
Ele bufa e percebo que ainda está nervoso.
- Não dá pra dar um minuto ein, e já tem gente em cima - ele fala irritado.
Não estava acreditando naquilo.
-Petrus, novidade para você. Tu não é meu noivo de verdade ! - falo irritada, tomando mais um pouco de coca. - Eu poderia querer ele, te passou pela cabeça?
Não entendo uma pessoa que me beija em um dia e me larga, depois decide quem pode se aproximar ou não.
-Eu sei, mas de qualquer forma ele não era pro seu bico. Poucas pessoas são aliás -ele muda sua expressão de raiva rapidamente e então diz - Agora vamos ao Karaokê !!
Eu nunca entenderia essa personalidade bipolar, mas era fato que ela me encantava.
Depois de muito relutar, tomei coragem e subi ao palco, da primeira vez fazendo sozinha uma performance de "I love Rock 'n Roll" que foi devidamente aplaudida pelo publico. Eles gostaram de mim. Depois, como sei me vingar chamei Petrus de lá de cima para dividir o palco comigo. Ele recusou de primeira dando uma risadinha e balançando o dedo em sinal de negativa, mas as mesas começaram a gritar "Vai! Vai! Vai" então ele simplesmente se rendeu e foi.
-Que musica você quer cantar? - ele sussurrou no meu ouvido, morto de vergonha. Dava pra ver ele corando !
-Qualquer uma, escolhe você - eu disse. Queria testar o gosto dele, mas estava com medo de não saber cantar a musica que ele escolhesse.
-Cruisin - ele simplesmente pegou o microfone sem perguntar se eu sabia.
Ok, era a parte da vingança dele. Ele estava tentando refazer a cena de Duets, onde a Gwyneth canta no Karaokê. Se ferrou, eu amo esse filme.
-Ok, vamos lá. - sorri e peguei meu microfone também, escolhendo a música.
A introdução começou e observei-o se concentrando ao mesmo tempo em que ficava vermelho como um pimentão. Tenho a impressão de que o ouvi dizendo que ia me matar, mas ignorei e segui em frente. Dois podem jogar esse jogo.
...Baby, let's Cruise..♪♫. ele começou e eu emendei, como no filme.
...alway, frooom here ♫♪
...don't be confused ....♪♫
...the way, is cleeear♪ - e assim, ficamos: ora ele fazendo a parte de Huey Lewis, ora eu fazendo a parte da Gwyneth. Sua voz não era tão boa, admito, mas seu inglês era perfeito. Limpo e totalmente natural, como o meu. Deu
muito certo cantar com ele.
... And if you want it you got it forever...♪
... This is not a one night stand, baby, yeah so...♫
Let the music take your mind
Just release and you will find
You're gonna fly away
Glad you're goin' my way
I love it when we're cruising together
The music is played for love,
Cruising is made for love
I love it when we're cruising together ♪ ♫ ♫ ♪♫
- cantamos por fim juntos, microfone lado a lado, deixando a vergonha de lado e soltando a voz. Por fim, nossa mágica platéia de 12 pessoas explodiu em palmas e assovios.
Yeah Baby!

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