#ANELISE – CAPÍTULO 17
03/07/2018
Três riscos profundos, um embaixo do outro. Dois dedos de distância um do outro mais ou menos.Eles deveriam ter sido suturados, por isso ficou aquela marca. Aquilo não me sai da cabeça. Quem deixa uma criança se machucar e não leva no hospital?E as marcas, tão estranhas... o que poderia ser?Me levantei e fui até a cozinha com ele. Se ele não queria falar sobre isso agora, tudo bem. Eu podia conviver com aquilo. Eu confiava nele para saber que não era nada sombrio. Era estranho mas eu realmente confiava nele. O modo como ele se deitou ao meu lado para ouvir musica comigo e como se preocupava com a minha alimentação. Eu realmente tinha encontrado um amigo. O meu único medo era que eu acabasse sentindo mais do que amizade e quebrasse a cara.Abro a geladeira e retiro água e um abacaxi fresco que ele tinha comprado no mercado.-Vou fazer um suco para nós - sorrio para mostrar que está tudo bem e que não vou insistir na historia da cicatriz - Não é justo você fazer tudo sozinho.-É muita bondade sua -ele ironiza - Não posso mesmo relaxar no refrigerante, tenho que manter a forma.Como se ele realmente precisasse.Nós comemos e depois deitamos na sala, cada um em um sofá para assistir Friends. Adorava saber que tínhamos gostos parecidos. Estávamos no meio de uma das piadas de Chandler, quando o celular dele tocou. Meu coração gelou. Por mais que eu soubesse que isso sempre aconteceria enquanto estivéssemos juntos, era horrível saber que tinha alguma mulher o chamando do outro lado da linha. Era horrível saber que ela, quem quer que fosse, poderia ter tudo o que quisesse dele com apenas uma chamada.-Deve ser o Gab - ele se levanta num pulo e corre até o celular que carregava na estante. Olha pensativo pra tela, e desliza o dedo para desligar. Não era o Gab, eu sabia. Elas nunca o deixariam em paz. Solto um longo suspiro.-Não era o Gab, não é? - sorrio fracamente para ele.-Não, não era. - ele coloca o celular de volta no seu lugar. Mantém a expressão neutra, deixando claro que não ia comentar sobre aquilo.-Talvez fosse melhor você mudar o número por enquanto, Petrus. Não sei como vai ser se o seu celular tocar o dia todo perto da minha família e você nunca atender... -eu sei que eu fechei a cara na hora e isso está ridiculamentevisível, mas não consigo disfarçar. Aquilo me incomodava mais do que eu queria.-Não! Não era uma cliente, Ane... eu já troquei o meu numero. Só dei o número pro Gab e pra mais uma pessoa, não estou com o número que minhas clientes tem. Aliás, me lembra de te passar o novo número depois, para quando você precisar.Ufa! Não vou mais ter que aturar essa enchessão de saco por enquanto. Mas perai, quem será que é a outra pessoa além do Gab que tem esse novo número? Decido tentar arrancar a informação na base da brincadeira.-Então quer dizer que a sua esposa não tem seu número, mas outra pessoa tem? Quem será que é tão importante assim para você mocinho?Ele se vira no sofá para mim e me dá um daqueles sorrisos de matar.-Apesar de ficar linda fazendo isso, você é péssima em tentar arrancar informações de mim desse jeito, Ane. -ele coloca uma das mãos atrás do pescoço e continua - Me pergunte.-O que? - eu não entendo o que ele quer dizer.-Me pergunte quem é a outra pessoa. Seja direta. Eu gosto de você justamente por você ser direta, não estrague isso, por favor.Ele gosta de mim?Foi nesse momento que eu me peguei pensando: Aonde eu tinha me metido?O que eu estou fazendo aqui, há 600 quilômetros da minha casa, com um cara que eu conheço há uma semana, tentando tirar informações da vida dele? E de repente eu percebi: eu tinha me metido em um algo totalmente previsível e que eu sabia que tinha todas as chances de acontecer.Eu sabia disso.-Petrus... - ele me olha esperançoso com aqueles enormes olhos azuis e eu desisto. Não vou dar esse gostinho á ele. Não quero que ele pense que eu tenho ciúmes dele, de jeito nenhum - ...para de ser tão convencido. Eu sóperguntei por curiosidade, mas se você não quer me contar, tanto faz.Apertei as mãos e torci para parecer convincente, olhando para a TV e fingindo não ter nenhum tipo de interesse naquilo.-Você é demais, Anelise Schimidt. Demais! - ele volta a sua posição normal e continua assistindo TV. Um sentimento incômodo toma conta de mim e por um segundo eu quase volto atrás, mas eu sei que vou ser capaz de lidar com situações desse tipo e permanecer tranqüila. Eu já fui capaz de coisas muito mais difíceis, afinal.Tentei sorrir, mas minha cabeça começou a latejar, então decidi que já estava na hora de dormir e esquecer esses sentimentos doidos que estavam me cercando. Quando me levanto sem dar nenhuma explicação, ele se vira para mim e me pergunta onde vou. Digo que vou dormir e que nos vemos amanhã e ele concorda. Vou á cozinha, pego uma água, bebo em silêncio e passo pelo corredor em direção ao quarto.-Meu irmão, Ane. - ele fala quando eu passo por ele sem desviar a atenção do seriado.-Desculpe? - eu paro no corredor e volto dois passos.-A outra pessoa que tem meu telefone é meu irmão. Não é nenhuma cliente.Eu fico sem reação, então ele sorri para mim. - Boa Noite.-Boa noite Petrus.Vou para o quarto com a sensação de que tirei pelo menos 20 quilos de minhas costas.Aonde será que isso ia parar meu Deus?
