#ANELISE – CAPÍTULO 12

02/07/2018

Uma coisa que eu aprendi cedo demais: lembranças tem o poder de nos matar por dentro.
Passamos o enorme portão de ferro da mansão do meu pai. Era um exagero o tamanho daquele lugar, visto que ele morava sozinho. Marcelo morava em uma casa na cidade, Rúbia morava com seu marido em outra e ele vivia ali com os empregados. Mas meu pai era exagerado e aquilo era um problema sem solução. Havia uma estrada de paralelepípedos brancos que ia do portão até a enorme entrada principal da casa. Os pilares brancos davam um ar majestoso á escada que ia do jardim até a porta do hall de entrada e um chafariz de mármore soltava jatos de água em frente á tudo isso. O jardim era cuidadosamente mantido por vários profissionais e o mesmo acontecia com as piscinas, o lago que tinha no fundo da mansão, a área de convivência e todo o resto da casa. Á noroeste da mansão havia uma praia particular com rochas que eu costumava sentar quando estava triste ou queria pensar na vida.
Havia um pequeno deck onde meu pai deixava os Jet skis e uma lancha, que a gente usava muito quando mamãe era viva; depois que ela se foi, meu pai não tinha mais vontade de pilotar e ela ficou ali. Assim, oficialmente, Gisele - nome da minha mãe e da lancha - foi aposentada. Suspirei fundo e olhei em volta: Deus, nada havia mudado desde que ela se foi. Tudo estava em seu devido lugar.
Eu passei momentos incríveis nessa casa.
Subimos as escadas de mármore e paramos em frente á entrada principal.
- Eu estou com medo dessa casa - Petrus se vira para mim com a expressão atônita e ao mesmo tempo engraçada.
- Medo? Porque? - dou risada da sua expressão e o cutuco com o cotovelo.
-Porque eu sabia que você era rica...mas eu não imaginava ISSO.
Não me surpreendi. Era a reação de todos que eu trazia em minha casa. Não me lembro quantas vezes já ouvi essa frase, mas sei que foram muitas.
- Relaxa. Ele é simples, só é excêntrico. Gosta de tudo em quantidade, tudo grande, tudo brilhante. Síndrome de gente rica, meus irmãos são assim também.
-Mas você não é - ele sorri pra mim.
-Talvez porque eu seja adotada.
Nesse momento, meu pai abre a porta. Provavelmente nos viu chegando pelas câmeras de segurança. Tomo um susto com sua chegada repentina.
- Anelise, quantas vezes nós já conversamos sobre você sair falando por qualquer motivo que é adotada? Odeio essa palavra, odeio! - meu pai explode ao abrir a porta vestindo seu robe roxo e dourado.
Não conseguia definir se eu sentia mais vergonha pelos modos ou pela roupa.
- Olá papai, é bom te ver também - reviro os olhos e o abraço. Ele sorri e afaga minhas costas.
- Também estou feliz em te ver, princesinha. Só não use mais essa palavra, ok?
-Não há nada de errado com essa palavra, papai. Mas ok, não vou discutir. - me viro para Petrus imaginando a expressão assustada que ele deve estar vestindo, mas me surpreendo. Parado ao meu lado, com uma mão no bolso da calça e outra levemente pairada sob minhas costas, ele olha firme para meu pai.
-Papai, esse é meu noivo, Petrus. - saio do meio dos dois para dar espaço para se cumprimentarem. Meu coração está disparado e minhas mãos suam.
Eu preciso que isso dê certo, preciso.
Petrus estende a mão para meu pai e diz com um grande sorriso:
- Sr Reinaldo, é um prazer finalmente conhecê-lo. Eu estava ansioso por isso.
- O prazer é inteiramente meu, acredite meu jovem. Petrus, é isso ne? -meu pai sorri genuinamente e eu sei que ele está mesmo feliz em conhecê-lo.
-Isso mesmo. É que eu sou grego - Petrus já explica rindo antes que meu pai pergunte.
- Por favor, que indelicadeza a minha - meu pai exclama de repente me assustando de novo - Entrem, entrem... estamos conversando na porta.
Adentramos o hall da casa e por mais que Petrus tentasse segurar sua expressão, seu rosto cai em admiração. Ele estuda os detalhes da casa e nem disfarça. Se vira pra mim e mexe os lábios "Tá de brincadeira né?" se referindo á minha óbvia riqueza. Minha não, de meu pai. A única coisa que eu consegui soltar foi um "desculpe por isso" e ri. Passamos pelo hall, viramos á esquerda na enorme escadaria de mármore que levava aos andares superiores. Passamos debaixo de um dos enormes lustres de cristal da casa, grande, brilhante e chamativo. Os aparadores do salão principal continham vasos com hortênsias que mais parecem de mentira. Mas eu sei que são de verdade: todas as semanas elas são trocadas pela floricultura responsável por nossa casa. Eu sabia onde estávamos indo: para o escritório.
Deus nos ajude com isso, o interrogatório vai começar.
Papai se sentou em sua poltrona de couro marrom, larga e espaçosa. Era o trono do Rei. Só ele se sentava nela. Na verdade, a única pessoa com permissão para se sentar lá também já havia morrido. Diversas vezes me lembro de entrar correndo nesse escritório chorando por algum joelho ralado ou delatando meus irmãos por não me deixarem brincar junto com eles. Ela sempre estava ali, com um livro na mão, absorta em busca de conhecimento;
mas quando eu irrompia pelas enormes portas de madeira, ela deixava qualquer coisa de lado para me socorrer. Meu Deus, que saudade!
- Scotch, Petrus? - meu pai pergunta enquanto mexe na garrafa ao lado da poltrona. Seu scotch estava sempre á mão e ele usava em ocasiões como reunião de família ou conhecer o falso marido de sua filha.
- Não, obrigado Senhor. Eu não bebo durante o dia - Petrus se acomoda á sua frente e parece bastante relaxado. Uma coisa eu precisava admitir: o homem era uma muralha. Não deixava nenhum nervosismo transparecer. A única coisa que eu conseguia ver era um homem tranqüilo e bem resolvido, conhecendo o pai de sua noiva.
-Não precisa me chamar de Senhor, por favor. Estamos em família Petrus. - papai sorri enquanto leva o whisky aos lábios. Eu sei que ele está observando todos os detalhes, por isso me levanto do meu assento e caminho até parar ao lado da poltrona de Petrus. Talvez se eu ficasse mais perto, eu mostraria mais intimidade.
- Claro, eu sei que estamos - Petrus me olha de lado e sorri. Depois, faz algo que eu não esperava: enlaça minha cintura com seu braço e traz para mais perto dele, me apertando de lado com sua enorme mão. Eu não sei se minha pressão caiu, mas eu senti uma vertigem nesse momento. Pequenos arrepios foram da cintura até meu estomago. Anelise, calma! Ele só te segurou. O que esse homem tinha que me fazia ficar assim? Eu precisava entender que éramos só amigos e que ele ainda ia levar um bom dinheiro pra me tocar assim. Aliás, é o que ele faz: ele recebe para tocar nas pessoas...Não seja idiota, Anelise. Isso é só um papel.
- Então vocês estão noivos, mas moram juntos já? - meu pai estala o Scotch na língua e questiona Petrus enquanto eu me recomponho - Achei que eu deveria ser o primeiro á saber quando minha filha mais nova se casasse.
Eu corro para responder com algo provavelmente atravessado, mas Petrus se adianta, muito calmamente.
- Claro que o Senhor deveria ser o primeiro á saber. Mas resolvemos fazer algo mais escondido justamente para calar falsas fofocas... O senhor sabe: há muito dinheiro envolvido e falar de pessoas conhecidas é o que os tablóides fazem de melhor. Quisemos poupar o nome de sua família senhor Reinaldo e principalmente o de sua empresa. Não quero que pensem que estou com a sua filha por interesse. E nós ainda não casamos - Petrus ri para quebrar o clima - então o senhor será o primeiro á saber quando isso for acontecer.
- Realmente, Petrus... Nós temos muito dinheiro - meu pai sorri genuinamente, mas eu sei que por trás daquilo há uma intenção escondida - E esse dinheiro será seu também tão logo vocês se casem.
Meu Deus, ele não estava fazendo isso, estava? Que vergonha!
-Papai ... - eu começo, mas Petrus me interrompe.
- Na verdade não, Senhor Reinaldo. Eu pretendo me casar com a Ane em separação total de bens.
Petrus era rápido tanto quanto meu pai era cínico.
-Por favor Petrus, não quero que você pense que desconfio de suas intenções, longe de mim - meu pai sorri sarcasticamente e se encosta na poltrona marrom, com o Scotch ainda nas mãos. Sinto o suspiro longo que Petrus dá e percebo sua irritação, porém ele mantém a calma e responde á altura.
- Não, de forma alguma... eu sei que o senhor é sábio o bastante para ter a plena certeza que alguém tendo a sua filha sequer pensa na palavra dinheiro.
A Ane é motivo bastante para alguém estar com ela, senhor Reinaldo. Ela se basta, nada mais. Eu estaria com a sua filha mesmo que a tivesse conhecido debaixo de uma ponte.
Uau, ele era bom ator. Por um segundo, eu quis que aquilo fosse verdade.
E assim, pela primeira vez na minha longa vida de 28 anos, eu vejo meu pai ficar sem resposta.
Calou a boca do meu pai? Deus, eu amo esse cara.
Mas a resposta ainda não havia acabado, e é ai que me surpreendo mais ainda.
-Sem contar Senhor Reinaldo, que dinheiro não é necessariamente um problema para mim. Eu sou dono de alguns imóveis no Brasil e meu pai é dono de ações da PrimeStan. Minha família tem... Digamos que de onde tirar
nosso sustento. Eu também tenho meu trabalho, que me rende um bom dinheiro, então não há com que o senhor se preocupar. A fortuna de sua família esta resguardada. - dizendo isso, ele se levanta e pede licença á meu pai, deixando o coitado com uma pontada de culpa no olhar- Foi um prazer inigualável conhecer o Senhor, mas gostaria de descansar com a Ane... a viagem foi longa.

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